Título: Temor é que Mantega ceda à pressão por gastos
Autor: Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2006, Economia & Negócios, p. B7

Para Mailson da Nóbrega e Raul Velloso, há risco de o ministro fazer mais concessões em um ano eleitoral

A administração do caixa federal promete ser o ponto mais delicado da gestão de Guido Mantega na Fazenda. Ele já deixou claro que não segue a cartilha de austeridade de Antonio Palocci e não terá em sua equipe dois zagueiros nos gastos públicos, Murilo Portugal e Joaquim Levy. Além disso, herdou a Fazenda num ano em que as despesas crescerão fortemente, mas as receitas poderão não seguir o mesmo ritmo.

"Há risco de ele perder a guerra ao fazer mais concessões que Palocci", disse o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria Integrada. Um exemplo é o salário mínimo, fixado em R$ 350,00, quando boa parte do governo queria R$ 400,00. Palocci, mesmo enfraquecido, resistiu às pressões por um valor mais alto.

É esse tipo de batalha que Mailson teme ver Mantega perdendo. Ele avalia, porém, que não há risco de descontrole graças ao presidente Lula, que passará a ser o principal fiador da austeridade, como fez com a política monetária ao dar autonomia ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

"Ao contrário do PT, ele (Lula) aprendeu que o voluntarismo, a mágica, podem até ser feitos,mas têm custo", observou Mailson. Por isso, a tendência é que Mantega adote um discurso cada vez mais parecido com o de Palocci.

A preocupação com a política fiscal decorre do fato de, no Brasil, o resultado das contas públicas depender diretamente da área econômica, explicou Mailson. Isso não ocorre em outros países porque têm um orçamento mandatório, que tem de ser cumprido. No Brasil, o orçamento é autorizativo, ou seja, é o Executivo que decide quanto gasta. Com essa fragilidade institucional, a responsabilidade pelos superávits fiscais depende de quem manda na Fazenda e, mais especificamente, no Tesouro Nacional.

META

Este ano, o setor público tem como meta um superávit primário (economia para pagar a dívida) equivalente a 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB). Mailson acha que ela será cumprida. A mesma opinião tem o consultor Raul Velloso, especialista em contas públicas.

Velloso lembra que há folga para gastar um pouco mais este ano porque o País terminou 2005 com superávit próximo de 5% do PIB. Como este ano a meta é menor, o aperto pode ser menor.

"O quadro fiscal já estava ruim porque estamos num ano eleitoral", disse Velloso, explicando que nesse período normalmente as despesas públicas aumentam. Simultaneamente, ele vê "indícios de deterioração" na estrutura das contas públicas, como o aumento do salário mínimo. Ele ainda teme que neste ano as receitas não cresçam acima do crescimento do PIB. "As despesas, certamente, crescerão acima do PIB", afirmou.

De fato, o resultado das contas piorou neste início de ano. Segundo o Banco Central, o superávit primário de janeiro e fevereiro foi de R$ 7,795 bilhões. No primeiro bimestre de 2005, foi de R$ 15,419 bilhões, ou seja, houve redução de 49,4%. Pelos dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), houve aceleração nos gastos com investimentos.