Título: Aposentadorias injustas ajudam a aumentar déficit da Previdência
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2006, Economia & Negócios, p. B1

A desigualdade na distribuição de renda entre os aposentados é gritante no Brasil. Hoje o Estado paga aos 60% dos beneficiários mais pobres a mesma quantia que dá aos 10% mais ricos. Ou seja, enquanto a maioria sofre nas filas para receber parcos rendimentos, muitas vezes um salário mínimo, a minoria abocanha boa parte do que o País arrecada.

Trata-se de um sistema perverso que contribui a cada dia para aumentar o déficit da seguridade social, que está em torno de R$ 40 bilhões. "Além disso, aumenta a concentração de renda e nada ajuda no crescimento do País", afirma a coordenadora da Fundação Institutos de Pesquisas Econômicas (Fipe), Maria Helena Zockun, que liderou o estudo Simplificando o Brasil, feito a pedido da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), que traz propostas de reforma da Previdência Social.

O trabalho revela ainda que, além de gastar mal, o País gasta muito com a Previdência Social: cerca de 12% do Produto Interno Bruto (PIB) todo ano, número que dá ao Brasil o título de campeão mundial de gastos com aposentadorias. Teoricamente, quanto maior a proporção de idosos, maior o gasto público com Previdência Social. Mas o País destoa da regra.

Segundo Maria Helena, o Brasil está fora do padrão internacional. Com uma população idosa na casa de 5%, o volume de despesa deveria ficar em 4,5% do PIB e não em 12%. "Hoje gastamos o mesmo que Finlândia e Espanha, cuja população idosa gira em torno de 15% e 16%." O México tem proporção de pessoas com 65 anos ou mais semelhante ao Brasil, mas as despesas com previdência estão abaixo de 5% do PIB, dentro da média mundial.

Outro dado assustador é que o governo gasta muito mais dinheiro para atender aos inativos do que para investir em serviços aos 182 milhões de cidadãos. Em 2004, os beneficiários da Previdência receberam, em média, R$ 7.930,00 por ano. O gasto per capita com custeio (educação, saúde, segurança, Justiça e transportes) e investimentos na infra-estrutura ficou em R$ 2.197,00 por ano.

O mais indigno, diz Maria Helena, é que se forem analisados apenas os gastos previdenciários por categoria a desigualdade é absurda. Os beneficiários do INSS são cerca de 23 milhões e recebem em média R$ 5.660,00 por ano. Já os funcionários públicos inativos e pensionistas, que são 3 milhões, ganham em média R$ 25.300,00 por ano - cinco vezes mais que os aposentados do INSS. Ou seja, o funcionário público se aposenta, em média, com R$ 1.946,00 e o do INSS, R$ 435 por mês.

Maria Helena afirma ainda que não há vínculo entre a contribuição recolhida na folha de pagamento e o benefício que se vai receber no futuro, quando se aposentar. "Quase metade das despesas com aposentadoria é paga pela arrecadação geral do governo." A explicação está ancorada no fato de a arrecadação sobre a folha de pagamento cobrir 54% dos gastos com a Previdência. Os outros 46% são injetados pelo Tesouro Nacional por meio das receitas dos demais impostos e contribuições.

O professor do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP), Juarez Rizzieri, lembra também que na década de 50 eram 8 trabalhadores para cada aposentado; em 1990, essa relação caiu para 2,5 trabalhadores; e em 2002, para 1,1. "Mesmo que o País conseguisse reverter toda informalidade, chegaríamos ao nível de 1990."

O governo elevou consideravelmente a carga tributária do País para fazer frente aos compromissos. No ano passado, impostos e contribuições atingiram 38,9% do PIB - uma transferência de R$ 754,4 bilhões da sociedade para os cofres do governo.

Segundo o estudo, o País chegou a essa situação especialmente por três motivos. O primeiro deles é a precocidade da aposentadoria no Brasil e o envelhecimento da população. No caso do INSS, não há idade mínima para se aposentar e, entre os funcionários públicos, a idade mínima é de 60 anos para homens e 55 para mulheres.

Outra razão é a generosidade dos legisladores para com os funcionários públicos. Para eles, o valor do benefício de aposentadoria é igual ao último salário integral. Por fim, os pesquisadores atribuem à vinculação de grande parte da despesa do INSS ao salário mínimo.