Título: 'O Brasil precisa do gás da Bolívia'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2006, Economia & Negócios, p. B1,3

Segundo o presidente da Petrobrás, ninguém sabe o que significa a nacionalização das reservas bolivianas

José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobrás

O presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, diz não saber o que significa a nacionalização do petróleo boliviano. Confira os problemas em jogo nesta entrevista concedida segunda-feira a Celso Ming.

O que a Bolívia pretende e quais os interesses em questão?

Nós precisamos do gás da Bolívia. Hoje recebemos de 26 a 27 milhões de metros cúbicos por dia. Eles vendem outros 6 a 7 milhões para a Argentina. A capacidade de produção de gás pela Bolívia é de 42 milhões de metros cúbicos. Cerca de 25% desse gás é produzido pela Petrobrás. Os outros produtores são a British Gas, Total e Exxon.

Para quem essas empresas vendem o gás?

Vendem para a Yacimientos Petroliferos Fiscales Bolivianos (YPFB), que vende o produto para o Brasil e para a Argentina. Nosso contrato vai até o ano 2019.

E o que diz a lei boliviana?

A lei foi aprovada antes do governo do Evo Morales mas precisa de regulamentação. A eleição para a Constituinte que redefinirá as regras e instituições básicas do país está marcada para meados deste ano.

Enquanto isso, o que está fazendo a Petrobrás?

Um grupo de negociadores está discutindo a regulamentação da lei e as propostas deles para o novo quadro regulatório. Nós precisamos investir lá e eles precisam do nosso investimento.

Para quem venderão o gás se o Brasil deixar de comprar?

Toda nação tem lá suas complicações que não são lógicas.

O senhor parece sugerir que as forças que chegaram ao poder não sabem o que pretendem nem tratam os novos temas com a necessária racionalidade...

Isso é o que está na imprensa. Nas negociações eles não são assim. Estamos negociando com técnicos, não trato pela imprensa o que falo com eles.

Quem conduz as negociações pelo Brasil: a Petrobrás, o Itamaraty ou diretamente o presidente Lula?

A Petrobrás negocia com a YPFB. O Itamaraty trata com o Ministério das Relações Exteriores da Bolívia e o presidente Lula fala com Evo Morales.

O que na prática significa a nacionalização do petróleo na Bolívia?

Ninguém sabe. Nem eles têm definição sobre isso.

Eles podem incorporar a Petrobrás?

Não sei. Temos investimentos legais, estamos legítima e legalmente instalados lá. Há regras e contratos em vigor. Mas não sei o que vai acontecer.

Que outro tipo de poder de barganha tem a Petrobrás?

A Petrobrás tem hoje uma posição de negociação mais confortável do que os outros produtores na Bolívia. Que tipo de pressão podemos fazer? Abandonar? Nós não vamos fazer isso. Precisamos da Bolívia, vamos ter de negociar para conseguir o melhor resultado.

O gás da reserva da Bacia de Santos pode fortalecer a posição da Petrobrás?

Esses investimentos só vão maturar dentro de cinco ou seis anos. No pico da produção, fornecerão 30 milhões de metros cúbicos por dia. O problema é que a demanda por gás vai crescer no Brasil dos 40 milhões de metros cúbicos diários para 100 milhões em 2010. O fornecimento da Bolívia vai continuar sendo importante.

Quanto ao preço, o que os bolivianos querem?

Eles querem um reajuste.

Pediram quanto?

Não há clareza sobre isso.

O supergasoduto que vai da Venezuela à Argentina entra na negociação?

Se for construído, o gasoduto vai mudar o mercado do gás na América do Sul. Mas é coisa apenas para 2020 ou 2025.

E é verdade que vai custar R$ 50 bilhões?

Não há detalhamento que permita avaliar o custo. A previsão de hoje é que sairá por US$ 23 a 25 bilhões, mas acho que vai ser muito mais do que isso.