Título: Petrobrás reage à ameaça boliviana
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2006, Economia & Negócios, p. B1,3

Com negociações interrompidas, presidente da estatal afirma que investimentos no país podem ser suspensos

Irany Tereza, Kelly Lima

O presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, rompeu o silêncio e reagiu duramente, pela primeira vez, à forma que a Bolívia está tratando os negócios da empresa no setor de gás e refino naquele país. Protestou contra a interrupção das negociações do governo boliviano com a empresa desde o final de fevereiro e contra o tom de ameaça de declarações de autoridades bolivianas. Disse que não queria fazer ameaças, mas informou que os investimentos da Petrobrás na Bolívia dependem da retomada das negociações. "Caso contrário, se forem decisões unilaterais (do governo boliviano), as posições se tornarão também radicalizadas. Vamos reagir unilateralmente também. E isso não é bom para ninguém."

Na semana passada, o ministro de Hidrocarbonetos (Energia) boliviano, Andrés Solíz, criticou a Petrobrás e o governo brasileiro, acusando o Brasil de tratar a Bolívia como uma "semicolônia". Solíz disse que podem ocorrer "as piores coisas que se pode imaginar" nas negociações sobre mudanças nos contratos de venda de gás com Argentina e Brasil. É o mesmo ministro que, ao assumir o cargo, em janeiro, prometeu à Petrobrás "tratamento especial do governo boliviano".

Gabrielli disse estar preocupado. "Confiamos que pudesse se reverter essa situação na Bolívia. Estávamos num processo negocial que vinha caminhando para encontrar pontos comuns. Recentemente, esse clima vem se modificando. A imprensa tem publicado uma série de declarações que nos deixa preocupados", afirmou, dizendo ter sido uma opção sua manter as discussões longe dos holofotes para facilitar um consenso.

"Objetivamente avançamos em determinado ritmo de negociação. Queremos continuar avançando e negociando para encontrar caminhos comuns. Mas as portas estão se tornando muito opacas", reclamou o executivo, tentando dosar a agressividade. Evitou, por exemplo, falar em suspensão definitiva dos investimentos na Bolívia. "Você está avançando numa coisa que não estou querendo dizer", argumentou.

Mas foi firme ao afirmar que, na Bolívia, a Petrobrás é uma empresa produtora de gás. "Não queremos ser uma prestadora de serviços", declarou, sobre a possibilidade, já divulgada pelo governo boliviano, de as reservas serem nacionalizadas e as empresas estrangeiras serem apenas remuneradas pela exploração e produção do gás. Gabrielli ressaltou que a empresa não quer discutir a autonomia do governo boliviano, lembrando que as leis sancionadas pela Bolívia têm de ser cumpridas pelos investidores. Mas, reclamou que "todo o setor de hidrocarburetos" boliviano está com problemas. "Queremos encontrar soluções, mas além de não termos interlocução, estamos vendo ameaças pela imprensa", protestou.

Segundo ele, está afastada a possibilidade de desabastecimento imediato de gás no Brasil, em caso de endurecimento das relações comerciais com a Bolívia. Lembrou que o País ainda não está utilizando a capacidade máxima contratada no gasoduto Bolívia-Brasil, de 30 milhões de m3, e que o contrato vale até 2019.

"Não é só o Brasil que tem interesse em negociar com a Bolívia. O que há é uma dependência mútua. O que a Bolívia exporta? Quem mais compra gás da Bolívia na proporção que o Brasil compra hoje? E, num futuro próximo, onde a Bolívia pode garantir esta mesma fonte de renda?", indagou.

Cerca de dez dias antes da declaração de Solíz, o presidente da Bolívia, Evo Morales, prometeu que até 12 julho sancionará esta lei. A Petrobrás, principal empresa em atuação na Bolívia, já investiu US$ 1,5 bilhão naquele país nos últimos 12 anos.