Título: A mudança climática chega ao mundo dos negócios
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2006, Vida&, p. A23

Na terça-feira em que o ministro Antonio Palocci entrou oficialmente para a lista dos lulistas em extinção, um grupo de empresários baixou ao subsolo de um hotel em Curitiba para falar de negócios. (Do outro lado da cidade, os delegados da conferência mundial de biodiversidade ruminavam em plenário as vírgulas de uma conversa eletrizante como corrida de tartaruga. E Brasília ensaiava, como sempre, a comédia do fim do mundo. Era assunto de sobra para distrair os repórteres.)

Na mesa estava por exemplo Guilherme Leal, o dono da Natura. Nada mais, nada menos que o 562º colocado no rol das maiores fortunas no planeta segundo a Forbes. Ele disse à platéia de ambientalistas, habituados à companhia de ONGs sem fundos, que ali "era tudo a mesma turma". Leal contou como a Natura, hoje espalhada por cerca de 500 mil vendedoras no País e uma loja no bulevar Saint-Germain, em Paris, multiplicou-se por cinco, em meados da década passada, ao entender que seu verdadeiro negócio era "a biodiversidade brasileira". Mas não basta, advertiu, lucrar bancando o bom moço pelo patrocínio de causas alheias. É preciso se convencer de que não adianta nem tratar o freguês como rei, se o reino, em si, cair aos pedaços.

Ou, em outras palavras - as do banqueiro Fabio Barbosa, presidente do ABN-Amro Real -, o segredo é não financiar "serviços porcos". Apostando tudo na ficha de empresas limpas, porque elas têm mais futuro, e sem futuro ninguém liquida empréstimo, ele ordenou uma faxina nas linhas de crédito do banco. Passaram pela revista 3.617 clientes. Pelo menos 45 foram sumariamente dispensados, inclusive desmatadores incuráveis. E cuidou-se de converter quem tinha remédio, como uma pescadora de camarões que um oceanógrafo nomeado pelo banco livrou da vocação predatória. "Fomos buscar a nossa turma", resumiu Barbosa.

LUGAR SAGRADO

Juscelino Martins, presidente do Tribanco, comentou que, "por incrível que pareça", é mais fácil saber para onde vai o dinheiro na Amazônia do que seguir um caminhão com 40 toneladas de toras. Mas fez questão de lembrar que está na hora de "tratar novamente a terra como lugar sagrado".

Seu sobrenome pertence ao maior grupo atacadista da América Latina, capaz de levar qualquer coisa, de geladeira a parafuso, a mais de 210 varejistas em todos os cantos do País. Nas horas vagas, Martins cria antas. Foi por causa delas que se aproximou do Instituto de Pesquisas Ecológicas, o IPE, uma ONG criada há 14 anos pelo biólogo Cláudio Pádua. Um dia, perguntou o que os homens de negócio brasileiros faziam pelo IPE. "Nada", respondeu Suzana, mulher de Cláudio. Ele resolveu provar que não era bem assim. E não parou mais.

Como não parou mais o empresário Miguel Krigsner, da fábrica de cosméticos O Boticário. Filho de judeus que fugiram da Europa às vésperas da 2ª Guerra Mundial, ele nasceu na Bolívia, criou-se no Paraná e fez o curso de Farmácia depois de se convencer que jamais passaria no vestibular de Medicina.

Menos de 20 anos depois de entrar para a faculdade, com O Boticário enraizado nacionalmente em mais de mil lojas, achou que estava na hora de gastar em conservação da natureza. Tinha o projeto de plantar uma árvore por produto que o Boticário vendesse. A idéia gorou na primeira consulta a um especialista, o engenheiro florestal Miguel Milano. Ainda assim, foi a semente da fundação onde Krigsner despejou em 15 anos cerca de US$ 10 milhões.

OUTRO CLIMA É POSSÍVEL

Ele não estava na mesa da terça-feira. Mas brilhou pela ausência, quando Adriana Moreira, do Banco Mundial, levantou o dedo na platéia para lembrar que Krigsner acabara de doar US$ 1 milhão para o programa de áreas protegidas na Amazônia. "Eu estava num jantar onde discursou Roberto Klabin, presidente do conselho do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade, dizendo como era difícil levantar recursos. Eu lhe passei um bilhete, prometendo US$ 200 mil por ano por cinco anos", esclarece Krigsner.

É por essas e outras que a queda de ministro da Fazenda deixou de ser assunto em conversa de empresário. O que não deixa de ser um sinal de mudança climática.