Título: "Objetivo já não é a paz, é gerenciar o conflito"
Autor: Daniela Kresch
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2006, Internacional, p. A20

Medidas unilaterais como a desocupação da Faixa de Gaza são as únicas plausíveis no momento, afirma diplomata

Ex-diretor da chancelaria israelenseEntrevistaO veterano Shlomo Avineri, ex-diretor-geral da chancelaria israelense na época de Yitzhak Rabin, já viu de tudo na política do país. Menos o que aconteceu nas eleições de terça-feira. Para Avineri, que hoje é ligado à Universidade Hebraica de Jerusalém, os resultados provam que houve uma mudança histórica de paradigma na política israelense. Segundo ele, o povo está pronto para devolver territórios aos palestinos, sem promessas vãs de paz ou utopias.

Como o sr. explica o resultado dessas eleições?

Eu apresentaria o que aconteceu como uma mudança de paradigma. O paradigma histórico era a tentativa de chegar à paz com os palestinos. A esquerda queria isso estendendo a mão. A direita preferia fazer isso à força. Mas todos falharam. Hoje em dia, a percepção em Israel é a de que não há futuro nas negociações de paz. Passamos da idéia de "'resolução de conflitos"' para a de "gerenciamento de conflito". O objetivo agora não é mais a paz utópica, mas sim a diminuição da tensão e da violência entre dois povos.

Mas como isso explica os resultados do pleito?

Isso é a chave para entender os resultados das eleições. Os israelenses votaram em Olmert porque acreditam que ele possa tomar decisões difíceis, sem esperar o consentimento do outro lado. Assim como fez Sharon com a retirada unilateral da Faixa de Gaza, que foi um sucesso.

O unilateralismo não pode piorar o relacionamento com os palestinos?

Todas as propostas israelenses recentes encontraram objeções não só dos palestinos como de aliados de Israel, como os EUA, sem contar a Europa. Foi assim também com a retirada de Gaza. Quando Sharon começou a falar que pretendia sair de Gaza, no final de 2003, Abu Mazen (o presidente palestino, Mahmud Abbas) saiu imediatamente contra dizendo que a idéia não passava de um truque. No fim, acabou telefonando para Sharon para parabenizá-lo. A verdade é que esses passos unilaterais são as únicas propostas plausíveis, no momento. Quem tiver outra, que apresente.

Olmert vai conseguir realizar a retirada da Cisjordânia mesmo tendo obtido só 28 cadeiras na Knesset? Ele tem o consentimento do público para isso?

Realmente, as pesquisas davam mais cadeiras ao Kadima. Mas, apesar do erro, elas acertaram em apontar duas tendências: a vitória do Kadima e a autodestruição do Likud, que só obteve 11 cadeiras. Isso quer dizer que o público não concorda mais com a ideologia do Likud de manter a ocupação dos territórios palestinos com mão-de-ferro. Essa é uma mudança histórica. O Kadima terá de fazer coalizões para conseguir maioria parlamentar, mas não terá dificuldades. Vai apelar para partidos que concordam com a retirada, como o Trabalhista, para partidos ambivalentes, como o Shas (ultra-ortodoxo).

No discurso da vitória, Olmert não citou o Hamas. Está ignorando a nova realidade da Autoridade Palestina?

Por que Olmert deveria citar o Hamas? Se há algo que ele aprendeu com Sharon é falar pouco e agir muito.