Título: Israelenses votaram pelo social
Autor: Daniela Kresch
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2006, Internacional, p. A20

A novidade da eleição foram os partidos com planos contra pobreza, que aumentaram suas bancadas

Políticos, analistas e jornalistas passaram o dia de ontem tentando decifrar os resultados das eleições parlamentares israelenses de terça-feira. Como indicavam todas as pesquisas de intenção de voto, o Kadima, o partido do primeiro-ministro interino Ehud Olmert, venceu. Mas houve uma surpresa: ele recebeu apenas 28 das 120 cadeiras da Knesset (o Parlamento), quando a expectativa era a de que arrebatasse pelo menos 35.

Outra surpresa foi o Partido dos Aposentados, uma legenda nanica liderada pelo ex-espião do Mossad Rafi Eitan, de 79 anos, que conseguiu arrebatar incríveis 7 cadeiras. Isso sem contar o sucesso do Shas, o partido ortodoxo sefardita (de judeus de origem em países árabes) que aumentou o número de deputados de 10 para 13.

Para muitos, o quebra-cabeças só pode ser entendido pelo prisma socioeconômico. Se até hoje os israelenses iam às urnas com a segurança nacional em mente, agora priorizam partidos que lutam pelo bem-estar social. Aumento do salário mínimo, diminuição do desemprego, elevação das aposentadorias aos idosos. Esses são, agora, os temas mais importantes para os eleitores num país onde 1 em cada 3 crianças vive abaixo da linha da pobreza e onde a desigualdade social cresce a olhos vistos. O conflito com os palestinos não é mais o único tema.

A principal plataforma do Kadima é o que Olmert apelidou de Plano de Convergência: a retirada unilateral israelense da maior parte da Cisjordânia e a definição das fronteiras entre Israel e a Autoridade Palestina até 2010. Seus marqueteiros não fizeram questão de esclarecer a plataforma econômica. Afinal, o relacionamento com os palestinos sempre foi o que mais importava ao eleitor.

A certa altura da campanha eleitoral, o pleito foi definido como um plebiscito em relação ao Plano de Convergência. Os votos, no entanto, revelaram outra coisa: que os eleitores se cansaram das promessas de paz. Querem, agora, assegurar uma vida melhor para suas famílias.

O relativo sucesso do Partido Trabalhista, que conseguiu manter sua representatividade na Knesset (só perdeu um assento, passando de 21 para 20), é mais uma indicação da nova realidade. Durante toda a campanha eleitoral, as pesquisas de intenção de votos davam aos trabalhistas menos do que isso: cerca de 17 cadeiras. Na hora H, o partido surpreendeu.

O resultado é uma vitória para o ex-sindicalista Amir Peretz, que lidera os trabalhistas desde outubro, depois de ter conseguido vencer o veterano Shimon Peres nas primárias do partido. Afinal, foi Peretz- comparado por alguns ao presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva - que introduziu o discurso social nessas eleições. Ele prometeu um "Mapa Ético" para Israel: justiça e inclusão social. Prometeu, para começar, aumentar o salário mínimo dos atuais US$ 700 para US$ 1.000.

Já o Likud concorreu com base em seu tradicional discurso "defensista" e ideológico contrário à devolução dos territórios ocupados e à criação de um Estado palestino na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Fora isso, seu líder, o agora enfraquecido Binyamin Bibi Netanyahu, ficou ainda mais impopular depois que ocupou o Ministério da Economia de 2003 a 2005. Ele fez cortes em aposentadorias e em ajuda a famílias numerosas e outros necessitados em nome da economia de mercado.

O sucesso dos partidos "sociais" fez com que seus líderes discutissem, ontem, a formação do chamado "Bloco Social". Juntos, Trabalhistas, Aposentados e Shas têm 40 cadeiras. Querem lutar por leis sociais. Se forem convidados por Olmert para participar da coalizão de governo - o que é provável - pretendem ocupar ministérios importantes como Economia, Educação e Saúde.

Analistas apontam dois motivos para a mudança no eleitorado. O primeiro é o aumento da pobreza. Nos últimos 15 anos, Israel passou por mudanças demográficas críticas como a imigração de mais de 1,2 milhão de russos. Fora isso, o país enfrentou sua maior crise econômica a partir do ano 2000 com a explosão da segunda Intifada palestina. Outro motivo para o apoio do público aos partidos sociais é o enfraquecimento da ideologia religiosa-nacionalista em Israel. Os israelenses estariam cansados de lutar pela chamada "Grande Terra de Israel" da Bíblia. As novas gerações já não se importam em abrir mão da Cisjordânia para que os palestinos estabeleçam lá - e na Faixa de Gaza - seu Estado soberano.