Título: Independência do BC?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Agiu com prudência o presidente da República, mantendo Henrique Meirelles na presidência do Banco Central. Afinal, se a demissão de Antonio Palocci do Ministério da Fazenda podia eventualmente ser vista como um perigo para a continuidade de uma política econômica bem-sucedida, o afastamento do presidente do Banco Central seria inevitavelmente interpretado como uma total virada dessa política. Além disso, como Guido Mantega é um crítico declarado e ferino da política monetária, podia-se temer que as relações entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central se tornassem insustentáveis.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontrou uma solução de momento para o caso, reafirmando a independência do instituto de emissão e esclarecendo que o presidente do Banco Central responderá diretamente a ele. Mas nada garante que o problema foi resolvido.

Não se pode esquecer que Henrique Meirelles resistiu às críticas - a começar pelas feitas pelo PT - contra a sua política monetária excessivamente ortodoxa porque contou com o apoio total do ex- ministro Antonio Palocci, que por sua vez era sustentado, por razões políticas, pelo presidente da República. O presidente do Banco Central mantinha um diálogo permanente com o ex-ministro. Podia explicar a ele que, se o Comitê de Política Monetária(Copom) fixava a taxa Selic com mão pesada, era apenas por existir um profundo divórcio entre a gestão das finanças públicas e a necessidade de conter as pressões inflacionistas.

Com a troca do ministro da Fazenda, o presidente do Banco Central não terá mais esse apoio. Ao contrário, ficou claro pelas críticas reiteradas por Guido Mantega à política de juros, assim que foi indicado ministro, que não será tranqüila a convivência entre o Banco Central e o Ministério da Fazenda.

Tal perigo, tranqüiliza o novo ministro da Fazenda, não existe, pois Henrique Meirelles só responderá a Lula. Mas, entre essa afirmação e a declaração de que o Banco Central continuará plenamente independente, existe uma profunda contradição. Mesmo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estivesse preparado para orientar as decisões das autoridades monetárias - o que certamente não está - como se poderia falar em independência do Banco Central quando seu presidente tem de responder a um candidato à reeleição?

Nos últimos meses Lula mostrou claramente que a sua única preocupação é vencer as eleições de outubro, e seus métodos são incompatíveis com a austeridade que deve reger a atuação do Banco Central. Em nenhum país em que o Banco Central é independente, o seu presidente responde diretamente ao chefe do Executivo. E, enquanto essa relação de subordinação for mantida, não se deve esperar grandes avanços da política econômica.

Melhor seria, por enquanto, que, apesar de suas posições ideológicas discrepantes, houvesse um diálogo contínuo entre o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central, como acontecia no tempo de Palocci. Sem esse diálogo permanente, dificilmente o Banco Central poderá desempenhar uma de suas funções precípuas, que é a comunicação com o mercado. Mas esse diálogo teria de ser mais rico do que no passado. O momento exige que o presidente do Banco Central explique claramente o que, do seu ponto de vista, permitiria reduzir o papel da política monetária no controle da inflação, sem deixar dúvidas de que é sensível à necessidade da criação de condições para um crescimento maior da economia. Nesse intercâmbio de idéias, caberia ao ministro da Fazenda explicitar o que pretende fazer para responder às preocupações das autoridades monetárias.

A partir desse diálogo, caberia ao Banco Central, com total independência contando com informações completas, tomar suas decisões.Teria assim mais força para justificar perante o mercado o sentido das suas decisões.

Dessa harmonia entre o Banco Central e o Ministério da Fazenda poderia sair uma nova política econômica, tendo como preocupação essencial uma reformulação total da política fiscal, sem o que o Brasil poderá controlar a inflação, mas não conseguirá criar as condições para um crescimento à altura de seu potencial e de suas necessidades. Mas isso seria esperar demais de um governo em seus estertores.

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