Título: Rodada no Rio de Janeiro
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Em mais um esforço para salvar as negociações globais de comércio, Brasil, Estados Unidos e União Européia tentarão, neste fim de semana, no Rio de Janeiro, remover os impasses que entravam a Rodada Doha. Os principais negociadores, assim como o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, ainda ambicionam alcançar neste ano um grande acordo sobre a liberalização dos mercados. Mas os trabalhos da rodada, lançada no final de 2001, estão atrasados e o tempo se torna curto para tarefa tão complexa.

O encontro será informal e as diplomacias americana, européia e brasileira não têm, obviamente, mandato para decidir pelos 149 países membros da organização. Mas suas agendas incluem a maior parte dos problemas importantes e, se conseguirem aproximar suas posições, facilitarão o avanço em todas as frentes.

Em janeiro, reunidos em Davos, na Suíça, cerca de 20 dos principais negociadores combinaram realizar um esforço extra para definir, até o fim de abril, as grandes linhas de um acordo comercial, as chamadas modalidades. As modalidades incluem os grandes objetivos, como a eliminação de todos os subsídios à exportação agrícola, em certo prazo, ou os critérios e o tamanho dos cortes de tarifas sobre importações de bens industriais.

Para sair do impasse, os governos teriam de assumir uma nova atitude. Desde a conferência ministerial de Hong Kong, em dezembro, a tática dominante era condicionar qualquer novo passo a uma iniciativa anterior dos outros negociadores. Isso ficou especialmente claro nos confrontos entre o Grupo dos 20 (G-20), coordenado informalmente pelo Brasil, e a União Européia.

Em Davos, o diretor-geral da OMC conseguiu arrancar dos diplomatas de maior peso o compromisso de mudar o padrão das negociações, buscando avanços simultâneos em todas as frentes e tentando romper todas as barreiras. Até agora, esse compromisso não se refletiu na prática. O governo brasileiro havia proposto uma reunião de cúpula das principais potências envolvidas na negociação, para dar um impulso político aos trabalhos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva insistiu nesse ponto em vários contatos com governantes, nos últimos meses, mas sem resultado até agora.

As divergências entre União Européia e G-20 continuam sendo um dos principais problemas da rodada. O grupo do Brasil continua exigindo dos europeus melhores propostas para o comércio agrícola, especialmente na parte de acesso a mercados. Segundo os negociadores brasileiros, os cortes de tarifas oferecidos pela União Européia são insuficientes.

Os europeus ofereceram um corte médio de 47% nas tarifas consolidadas. Na prática, segundo os críticos da proposta, a redução não passaria de 39% e, além disso, as barreiras mais altas ainda seriam preservadas para os chamados "produtos sensíveis". Em suma, seria principalmente um corte de ar. O G-20 cobra uma oferta de redução tarifária de 57%.

Os americanos têm uma proposta ainda mais ambiciosa que a demanda brasileira. Falam num corte de 75% para as tarifas sobre produtos agrícolas. Os europeus, no entanto, se recusam levar a sério a oferta dos Estados Unidos. Acusam os americanos de tentar manter subsídios altamente nocivos, e meio disfarçados, a seus produtores e exportadores agrícolas.

Cobram-se do Brasil e de outras economias emergentes, como a Argentina, maior abertura de mercado para produtos industriais, para serviços e para investimentos. O Brasil poderia oferecer, segundo seus negociadores, um corte significativo de tarifas industriais. A máxima poderia cair de 35% para 16,5%. Esse corte refere-se às tarifas consolidadas, isto é, registradas na OMC como limite de proteção para cada país. As tarifas efetivas são em geral bem menores, mas também seriam afetadas pelo corte. Dirigentes da Fiesp apóiam essa proposta, condicionada à melhora da oferta européia para agricultura.

Em artigo publicado na terça-feira no Estado, o comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, lançou a responsabilidade do próximo passo ao Brasil e aos outros emergentes. O sentimento de urgência pode ser real e generalizado, mas nada permite afirmar, até agora, que a mudança de atitude combinada em Davos tenha ocorrido.