Título: Relator pede indiciamento de 124, diz que houve mensalão, mas poupa Lula
Autor: Eugênia Lopes, João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2006, Nacional, p. A4

Entre os citados estão Jefferson, os petistas Dirceu, Gushiken, Genoino, Sílvio Pereira e Delúbio, e o tucano Azeredo

Depois de uma maratona de quase dez meses de depoimentos, investigações e muita polêmica, a CPI dos Correios apresentou ontem seu relatório final. Em 1.828 páginas, o relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), esmiúça o esquema operado pelo empresário Marcos Valério, afirma que o mensalão de fato existiu e propõe o indiciamento de 124 pessoas, entre elas os ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken; os ex-dirigentes do PT José Genoino, Sílvio Pereira e Delúbio Soares; o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), e o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), que denunciou o mensalão. O relatório, contudo, poupa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Serraglio dedicou apenas duas páginas para relatar se Lula sabia ou não do mensalão. Com o título ¿A ciência do presidente Lula¿, descreveu os depoimentos de Jefferson e dos deputados José Múcio (PTB-PE) e Aldo Rebelo (PC do B-SP), que contaram ter avisado o presidente sobre o esquema. Usa uma linguagem rebuscada e, aparentemente, não chega a uma conclusão sobre o conhecimento ou não de Lula.

¿Como é de sabença, não incide, aqui, responsabilidade objetiva do chefe maior da Nação, simplesmente, por ocupar a cúspide da estrutura do Poder Executivo, o que significaria ser responsabilizado independentemente de ciência ou não. Em sede de responsabilidade subjetiva, não parece que havia dificuldades para que pudesse lobrigar a anormalidade com que a maioria parlamentar se forjava. Contudo, não se tem qualquer fato que evidencie haver se omitido¿, escreveu ele.

INTENÇÃO

Também em vez de sugerir claramente o indiciamento dos deputados envolvidos no esquema denunciado por Jefferson, o relatório recomenda que o Ministério Público investigue se os 18 citados cometeram crimes. Serraglio afirmou, porém, que sua intenção foi a de propor o indiciamento: ¿Se for preciso, mudo o relatório e também peço que sejam indiciados.¿

O parecer aponta como fontes de recursos do chamado valerioduto a Visanet, a Brasil Telecom e a Usiminas. Serraglio ratifica que não existiram os empréstimos do publicitário Marcos Valério para o PT, conforme tentaram fazer crer os dirigentes petistas e o governo: ¿A tese de que a operação tinha suas origens em empréstimos bancários não prospera. Na verdade, os principais operadores do sistema viabilizaram esses recursos com fontes públicas e privadas.¿

Segundo o relator, os repasses realizados pela Visanet à DNA, uma das agências de Valério envolvidas no esquema de irregularidades, alcançaram R$ 73 milhões em 2003 e 2004. Já a Brasil Telecom, que era dirigida pelo banqueiro Daniel Dantas, transferiu R$ 823,5 mil para o valerioduto. Ele lembrou ainda que a DNA e a SMPB, agências de Valério, imprimiram 80 mil notas fiscais falsas.

Serraglio foi incisivo ao concluir que o mensalão existiu. ¿Este relatório é a narrativa desse enredo político em detalhes e mostra que o mensalão foi uma realidade. Concentra em uma só palavra, ressoante, a idéia de uma prática ilícita de cooptação política contrária ao interesse público financiada com dinheiro escuso de cofres públicos e privados. Sintetiza a degradação de um escândalo imoral de favores que teve membros importantes da classe política como protagonistas.¿

O relator afirma ainda que os recursos para o caixa 2 do PT foram levantados de forma ilegal e transferidos a partidos da base aliada em troca de apoio político. E avalia que Marcos Valério atuou como prestador de serviços de Delúbio. ¿Mostrou o conluio entre um dirigente partidário e um empresário arrivista e a maneira com que desenvolveram um esquema de corrupção do sistema político que ganhou proporções milionárias, nutrido pela proximidade com o poder.¿

GAMECORP

No texto final, Serraglio também decidiu retirar o nome de Fábio Luiz Lula da Silva, filho do presidente, que vendeu por R$ 5 milhões ações da Gamecorp para a Telemar. ¿Tirei o nome do filho do presidente não por pressões, e sim porque o assunto nunca foi investigado pela CPI¿, afirmou.

O sub-relator Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) foi avisado na terça-feira à noite pelo próprio Serraglio de que o nome de Fábio Luiz seria retirado. Preparou-se às pressas uma nova redação: foi mantido o episódio da compra da Gamecorp pela Telemar, da qual a Petros (fundo de pensão da Petrobrás) é sócia. Mas sem dizer que a empresa pertencia ao filho de Lula.