Título: No Rio, uma chance para Doha
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2006, Economia & Negócios, p. B10

Brasil, UE e EUA correm contra o tempo para conseguir uma proposta que satisfaça a todos até 30 de abril

O encontro "informal" entre Brasil, União Européia e Estados Unidos sobre o destino da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) começa hoje com acentuado risco de fracasso. Observada pelo diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, a reunião à beira da praia de Copacabana terá o objetivo de dissecar esse jogo intrincado e dar um sinal ao mundo de que a Rodada Doha não está perdida.

Até 30 de abril, espera-se a apresentação de uma oferta melhorada sobre acesso a mercados agrícolas, por parte de Bruxelas, uma nova proposta sobre subsídios domésticos, por parte de Washington, e também cortes profundos nas tarifas de produtos industriais, por parte de Brasília. Ou seja, o desafio será fechar esse triângulo a contento para que Lamy possa costurar seu esboço do acordo final da Rodada.

Ontem, entretanto, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, o comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, e o representante dos Estados Unidos para o Comércio, Rob Portman, tiveram conversas entre si em franca posição defensiva. O trio está ciente que cada vértice terá de fazer movimentos. Mas cada negociador quer esperar até o limite para ver se o outro se antecipa. Para o Brasil, sua proposta sobre o mercado de bens industriais é a que menos conta.

"Não adianta o Brasil dar um sinal de boa vontade e prometer zerar as tarifas de importação de bens industriais, que nem assim os Estados Unidos e a União Européia cederão na área agrícola", resumiu o embaixador brasileiro na OMC, Clodoaldo Hugueney. "Se fizer isso, será apenas uma concessão unilateral."

O Brasil inicia as discussões de hoje sob um inoportuno "fogo amigo" da Argentina, seu principal parceiro no Mercosul, e sob as dúvidas disparadas pela UE sobre a influência do novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, na posição brasileira. Mantega, na avaliação feita por Mandelson para o jornal Valor Econômico, seria menos simpático à abertura unilateral da economia que seu antecessor, Antonio Palocci.

Ontem, Amorim praticamente pôs uma pedra sobre a proposta da Fazenda - a rigor, da equipe de Palocci - de promover um corte profundo de tarifas para bens industriais. Essa oferta, engavetada pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), havia causado entusiasmo em Bruxelas. "Tive a ocasião de dizer que os movimentos de terceiro e de quarto escalões da Fazenda não deveriam ser causa de preocupação nem de encorajamento", disse Amorim a Mandelson.

Em resposta a Buenos Aires, Amorim ainda destacou que tudo o que vier a ser decidido na reunião de Copacabana será adotado pelo Brasil apenas depois de passar pelo crivo do Mercosul e do G-20 - o grupo de economias em desenvolvimento, liderado pelo País e pela Índia, que exige a abertura do mercado agrícola, o fim dos subsídios à exportação e a redução das subvenções à produção agropecuária. Reiterou ainda que o acordo final da Rodada será o resultado do consenso de seus 149 membros.