Título: Uma sucessão difícil no Tesouro
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2006, Economia & Negócios, p. B2

Considerando que a equipe do ministro Guido Mantega estará administrando a economia num período de eleições, quando crescem as pressões para aumentar os gastos, havia natural apreensão em relação à escolha do secretário do Tesouro.

Não era fácil suceder, nesse cargo, a Joaquim Levy, que, tanto na administração das dívidas interna e externa do Tesouro quanto nos diversos estudos que publicou, durante sua gestão, se mostrou um crítico contumaz da política fiscal do governo.

A escolha de Carlos Kawal foi, no entanto, a melhor que se podia esperar nas circunstâncias. Era preciso alguém que conhecesse bem o mercado e, ao mesmo tempo, exibisse uma visão ortodoxa a respeito da condução da economia. Tendo trabalhado longo tempo no City Bank, Kawall familiarizou-se bem com o mercado de capitais e, certamente, seguirá a linha política imprimida por Joaquim Levy, a qual se poderia resumir, de um modo talvez muito simplificado, em dois objetivos: alongar os prazos dos títulos da dívida e reduzir ao máximo a emissão de papéis vinculados a índices, principalmente à taxa Selic.

Ao contrário de que se poderia pensar, o secretário do Tesouro Nacional, apesar do título do cargo, não atua diretamente na questão dos gastos da União. Essa é uma tarefa do Ministério da Fazenda, geralmente atribuída ao secretário-executivo da pasta. Daí o apelido de "Doutor No" que foi dado a Murilo Portugal - sucessor e predecessor do novo nomeado para o posto, Bernard Appy, e que encontrou muita dificuldade para ter o apoio do governo nessa ingrata missão.

Exatamente por ser difícil, a missão exige que o titular da Fazenda e seu secretário-geral tenham grande afinidade com o secretário do Tesouro - requisito, ao que parece, bem atendido no caso de Carlos Kawal, que trabalhou com o ministro Guido Mantega no BNDES e foi colega de faculdade de Bernard Appy.

A visão desenvolvimentista do novo ministro da Fazenda encontra uma base sólida no trabalho do seu antecessor e graças à perseverança do Banco Central, cuja equipe foi mantida. Mas não nos podemos iludir quanto à redução de gastos do governo em 2006, cabendo apenas à Secretaria do Tesouro dosar a demanda de recursos gerada pela campanha eleitoral.

Assim, pelo menos neste exercício, não se espera que o foco recaia na redução do volume de gastos, o que permitiria a tão desejada diminuição da carga tributária, mas, sim, na produtividade desses gastos, de modo a obter deles melhores resultados, especialmente no que se refere a investimentos, criando, assim, condições para reduzir o peso da política monetária no controle da inflação.