Título: Dilema das cidades é equilibrar contas ou investir no social
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2006, Nacional, p. A5

Uma ampla radiografia nas contas públicas realizada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostra que está se reproduzindo nas cidades um dilema bem conhecido no plano federal: o sucesso fiscal acarretando sacrifícios na área social e o bom desempenho social provocando desequilíbrio fiscal. Dos 100 municípios com melhor performance fiscal no País em 2004, 57% apresentam desempenho nas áreas de saúde e educação abaixo da média nacional. Já entre os que se destacam no social, 53% vivem uma situação financeira apertada.

Esse dilema foi constatado pelos pesquisadores da CNM ao calcular, de forma inédita, o Índice de Responsabilidade Fiscal, de Gestão e Social (IRFGS) dos municípios. Esse índice foi construído a partir de vários dados oficiais sobre as despesas, receitas e a situação patrimonial das prefeituras, de modo semelhante ao que faz a ONU com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

O resultado do estudo mostra que, em média, as finanças das prefeituras passaram do vermelho para o azul entre 2003 e 2004. Seus gastos com pessoal caíram de 45,8% para 40,6% das receitas, e o custo da máquina pública, de 23,2% para 20,8%. Dos 4.285 municípios (77%) que prestaram contas à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) no ano passado, 1.744 estão livres de qualquer dívida e apenas 12 ainda extrapolam o limite máximo de endividamento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Todos esses indicadores foram convertidos para índices, numa escala de 0 (pior) a 1 (melhor), de forma que os pesquisadores pudessem compará-los. No final, chegou-se a um índice que mede simultaneamente o desempenho fiscal, a eficiência da gestão e a performance nas áreas de saúde e educação.

Entre os 100 municípios com maior índice global, 39 são do Rio Grande do Sul, 19 de São Paulo, 14 de Santa Catarina, seis de Minas Gerais e quatro do Rio de Janeiro. Em 70% dos casos, são municípios pequenos, de menos de 20 mil habitantes, alguns dos quais emancipados há poucos anos, sob uma nova cultura, que os obriga a administrar a escassez. "Os pequenos estão dando exemplo de como fazer uma boa gestão, apesar da carência de recursos", diz o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.

O líder absoluto entre todos é o município gaúcho de São José do Hortêncio, que ficou com uma nota 38% superior à média. Atrás dele vêm Poços de Caldas (MG), Rio das Ostras (RJ), Mariana Pimentel (RS) e Cerquilho (SP). A boa situação desses municípios se deve principalmente aos índices fiscal e de gestão, que receberam um peso de 80% na avaliação, enquanto o social ficou com 20%.

Mariana Pimentel é um dos poucos desse grupo que apresenta um desempenho equilibrado em todos os itens. Poços de Caldas (MG) e Rio das Ostras (RJ) chegam a registrar um índice social bem abaixo da média, apesar de irem muito bem nos demais quesitos.

No caso de Rio das Ostras, por exemplo, os indicadores fiscais do município são guindados para cima pela receita milionária dos royalties do petróleo, que lhe rendeu R$ 212 milhões em 2004. A cidade tem uma das mais altas taxas de investimento, mas desembolsa proporcionalmente poucos recursos para o social e apresenta uma taxa de matrícula na rede de ensino fundamental (9%) medíocre.

"O problema é que no Brasil se disseminou uma cultura de que só interessa o fiscal e que se dane o social", afirma Ziulkoski. Segundo ele, é preciso mudar a LRF tanto para ampliar os controles fiscais quanto para harmonizar a responsabilidade da área fiscal com a responsabilidade social.