Título: Às vezes não escolhemos a luta, ela nos escolhe, diz Serra, candidato
Autor: Gabriel Manzano Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2006, Nacional, p. A8

No último dia do prazo legal, ele anuncia a saída da Prefeitura, "a decisão mais difícil" de sua vida política

Com o argumento de que "não se pode correr o risco de retrocesso" e que "nem se pode permitir que São Paulo volte para situações anteriores, de descontrole e de falência", José Serra anunciou, ontem, que deixa a Prefeitura e assume a candidatura do PSDB ao governo do Estado. Definiu a decisão como "a mais difícil" que tomou em sua vida, mas entende que, "embora arriscada, ela é necessária".

Bem ao seu estilo, nas últimas horas do último dia do prazo eleitoral, Serra reuniu a imprensa numa sala do Anhembi, às 17 horas, para "um comunicado muito importante". Em tom solene, sem usar uma única vez o verbo renunciar, ele lembrou: "Às vezes nós escolhemos a luta e às vezes é ela que nos escolhe." E nesses momentos, acrescentou, "é preciso ter coragem de adotá-la".

Ele não organizou uma passagem formal do cargo ao vice Gilberto Kassab (PFL) - como fizera pouco antes o governador Geraldo Alckmin com seu vice Cláudio Lembo (PFL), no Bandeirantes -, nem informou se o comunicado sobre sua saída já havia sido entregue à Câmara. Evitou a despedida na Prefeitura porque professores ligados ao PT e à CUT foram protestar no local, por ele ter quebrado a promessa de ficar no cargo.

A partir de hoje, fora do gabinete onde trabalhou por 455 dias, ele começa "em tempo integral" a batalha para manter junto aos 25 milhões de eleitores do Estado os confortáveis 58% de votos que lhe deu uma recente pesquisa Datafolha. Embora não saiba ainda onde instalar seu comitê eleitoral, já marcou para hoje contatos com lideranças e diretórios tucanos na região de Sorocaba.

COMPROMISSO

Vergado ao peso da promessa de não abandonar a Prefeitura, Serra esmerou-se, nos 14 minutos de sua exposição, em valorizar tudo o que um governador pode fazer ao lado do prefeito da capital, para melhorar a vida dos 10,4 milhões de paulistanos.

"A melhor maneira de servir a cidade é assegurar que não mudarão os padrões de parceria e colaboração entre a Prefeitura e o governo do Estado", avisou. "O peso do governo estadual na cidade é enorme" - ele citou três setores, os de segurança, saneamento "e até transportes, nos casos do Rodoanel, metrô, CPTM", como áreas que exigem um trabalho em conjunto.

Seu outro pilar de apoio foi o pedido - quase uma exigência - do partido para que se candidatasse. Disse que tomava a decisão em atendimento ao pedido de toda a Executiva do partido, das bancadas estadual e federal, de mais de 100 prefeitos do interior do Estado e de "toda a bancada de vereadores menos um" - referência a José Aníbal, que se recusava, até o início da noite de ontem, a desistir de sua candidatura. "Pelo visto, isso só vai ser resolvido na convenção", dizia depois da entrevista o deputado Alberto Goldman (PSDB-SP), que dividia a mesa com Serra e com o secretário de Governo, Aloysio Nunes Ferreira Filho (PSDB-SP).

Parafraseou o poeta português Fernando Pessoa - "a batalha vale a pena se o sonho e a alma não são pequenos" - e afirmou que trocava uma esplêndida situação por outra incerta. "Já estive no Planalto e na planície, já ganhei e já perdi. Meus cabelos caíram, mas os ideais e convicções são os mesmos", avisou. "E são esses os ideais que me fazem agora trocar uma posição bastante confortável pelo risco de mais uma batalha." Por fim, garantiu que Kassab "não é um novato" e que, para a cidade, "muda o maestro, mas não mudam a orquestra nem a partitura".

MARTA E MERCADANTE

Mais tarde, os dois rivais petistas de Serra, a ex-prefeita Marta Suplicy e o senador Aloizio Mercadante, fizeram fortes críticas à decisão do tucano. Marta definiu sua saída como "uma traição". Afirmou que Serra "foi rejeitado" pelo PSDB como candidato à Presidência e concorre ao Bandeirantes como um prêmio de consolação.

"A partir de hoje, com o Serra, a gente nunca sabe", afirmou o senador Aloizio Mercadante. Indignado, o líder petista fez ironia com o nome do novo prefeito. "Kassab nunca seria eleito em São Paulo, era homem forte do governo Pitta".