Título: Estatização temerária
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2006, Notas e Informações, p. A3

Que a Eletrobrás quer liderar os investimentos na geração de energia já se sabia desde 2003 pela política do Ministério de Minas e Energia (MME). Mas agora se constata que o apetite da holding estatal - que já controla metade da oferta de hidreletricidade do País - parece ser incompatível com os meios de que ela dispõe e, sobretudo, com a regra da modicidade tarifária.

A Eletrobrás age no mercado energético, comprando participações ou o controle acionário de usinas em estágios avançados de construção e nos chamados "projetos estruturantes" - as hidrelétricas do Rio Madeira (Jirau, com capacidade de 3.900 MW e Santo Antônio, de 3.580 MW) e Belo Monte (5.500 MW) -, como mostrou reportagem de Renée Pereira, publicada domingo pelo Estado. Atua, portanto, como se sua capacidade financeira fosse ilimitada. Só assim se explica a disposição de investir, até meados da próxima década, dezenas de bilhões de reais, em contraste com a pouca disposição do setor privado para investir na geração.

Hoje, a holding detém o controle de Furnas (que inclui 50% de Itaipu), Chesf, Eletronorte, Eletrosul, Eletronuclear e CGTEE. Responde pela geração de cerca de 47 mil MW, do total de 93,5 mil MW gerados no País. Esta participação tende a crescer muito. Em 2003, Furnas comprou 40% da Hidrelétrica Peixe Angical, com capacidade de 452 MW. Em 2005, venceu os leilões para as usinas Paulista e Simplício e, em consórcio com a Cemig e a Neoenergia, da Usina de Baguari, enquanto a Eletrosul venceu o leilão para a Passo São João. No mês passado, Furnas comprou 40% da Hidrelétrica Foz do Chapecó (855 MW) e pretende comprar 40% da Hidrelétrica Retiro Baixo, enquanto a Eletrobrás adquiriu 49% das ações preferenciais da Hidrelétrica de Lajeado. E a holding negocia, ainda, a compra das Usinas de Serra do Facão, Guaporé e Salto Pilão.

Desde os anos 50, o Estado é o grande investidor na geração. Um processo incipiente de desestatização ocorreu no governo Fernando Henrique, quando foram vendidas usinas responsáveis por cerca de 15% da oferta de eletricidade. Com Lula, o avanço estatal ressurgiu. Apenas na transmissão cresceu a presença privada e o setor privado só predomina na distribuição de energia.

Há um fosso entre o que afirma o presidente da Eletrobrás, Aloísio Vasconcelos - que admite apenas o aumento das participações da holding em projetos -, e a realidade, que aponta para o voraz aumento da presença do Estado na geração. Via Eletrobrás, o Estado compra participações em grandes grupos privados, como Vale do Rio Doce, Camargo Corrêa, Votorantim, Alcoa, Rede, entre outros. Troca-se, portanto, investimento privado por investimento estatal, com inevitável pressão sobre os recursos públicos, como notou o especialista Lindolfo Paixão. O setor privado reluta em aplicar. "É um sinal nítido de que as regras dos leilões não são interessantes para o investidor privado", afirmou o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Adilson de Oliveira.

A Eletrobrás investiu R$ 3,2 bilhões em 2005 e pretende aplicar R$ 5,2 bilhões neste ano. Foi a grande vencedora do leilão de energia nova realizado no ano passado porque grandes grupos privados (como CPFL, Tractebel e EDP) consideraram muito baixos os preços pelos quais teriam de vender a energia. "Não consigo dar rentabilidade ao meu investimento em hidrelétrica com um preço de R$ 116,00 o MWh", observou o presidente da CPFL, Wilson Ferreira Junior.

Com baixa presença privada, o Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica (PDEE), do MME, conhecido há duas semanas, dependerá essencialmente do investimento estatal. Haja dinheiro, pois, até 2015, o governo estima que a necessidade de recursos para evitar colapsos na oferta de eletricidade atingirá R$ 125 bilhões.

Os planos do Estado para a eletricidade parecem irreais. A Eletrobrás não teria geração de caixa suficiente para o vasto programa, nem parece provável que seu principal financiador doméstico, o BNDES, disponha dele. Se o peso do Estado no setor crescer, estará em risco a oferta de energia e, ainda mais, de energia a preço módico. De qualquer forma, a conta acabará sendo paga pelo consumidor.