Título: Dito popular: de pato a ganso, nenhum avanço
Autor: Carlos Lessa
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Aliás, p. J5

Substituição de Palocci por Mantega no Ministério da Fazenda não muda política econômica do presidente

De pato a ganso, nenhum avanço. É um dito que a sabedoria do povo utiliza quando, após uma mudança, nada há de novo. O ministro Palocci foi substituído pelo ministro Mantega. A mídia veiculou grandes preocupações do "mercado" em relação ao futuro imediato. Paulo Leme, da Goldman Sachs, realizou conferência com 150 aplicadores estrangeiros no "mercado" para analisar a tal troca de comando.

Cobrou esclarecimentos: "Não está clara a posição do novo ministro em relação aos temas de juros e câmbio". Mantega teria gerado inquietações, pois declarou que "o Brasil precisava de taxas civilizadas de juros". Considerou que, se a taxa Selic fosse 2% menor em 2005, o País teria crescido 4% e reduzido a relação dívida pública-PIB a 49%, e sem reativar a inflação. Teria ousado manter "suas idéias históricas". Não copiou FHC, que recomendou que ninguém viesse com citações de seus livros.

Como economista e brasileiro, Mantega é desenvolvimentista. Conhece e admira Celso Furtado. Proclama o imperativo da sustentabilidade do desenvolvimento. Fala de "agenda microeconômica". Admite pluralidade de abordagens e a necessidade, para a agenda, de "fazer e reavaliar opções sobre o papel do Estado, do mercado e das instituições". Freqüentemente, atribuiu à repugnante taxa de juros real a responsabilidade pelo mau desempenho de 2005. É adepto de taxas de juros mais baixas, pois a inflação está sob controle, falta estimular a produção e o consumo. Como ex-presidente do BNDES, demitido por considerar a política monetária um pesadelo, sei de quanto o "mercado" é hostil a essas idéias. Mantega, ao me substituir na presidência do BNDES, manteve a tese de redução da TJLP para estimular o investimento privado.

Agora Mantega é o ganso que substitui Palocci. O ex-prefeito de Ribeirão Preto acreditou que, alcançada a estabilidade de preços, todos os mercados atuariam pelo pleno desenvolvimento. Conservou, da antiga visão anarcossindicalista, horror ao Estado: acatou sua variante mínima, em que o ajuste entre oferta e procura de bens, serviços e capitais é ótimo, desde que o governo não interfira.

Guardou a sugestão de uma Revolução Permanente: pela vertente ultraliberal, justifica pela busca de fundamentos ótimos o desmantelamento da economia nacional e a subordinação passiva aos mercados globalizados.

Palocci andava empenhado em reduzir a proteção aduaneira da indústria. Unilateralmente. Em intensa atividade, perseguia a blindagem defensiva de amplo superávit fiscal primário, mediante regras fiscais prefixadas para a próxima década. Mas assistiu sem se mexer à destruição progressiva de indústrias. Estão moribundas centenas de empresas calçadistas, moveleiras, de brinquedos etc.

Permaneceu impávido ante dramas como o da Varig. Ao cair, por razões extra-econômicas, foi festejado como o melhor ministro das últimas décadas.

O presidente Lula considera que a economia vive um momento excepcional.

Repete que não há mágica na condução da economia; que não permitirá a volta da inflação; que o Brasil conquistou credibilidade via macroeconomia e política de comércio exterior. Mantega reitera que a política econômica é do presidente e que manterá a meta de superávit fiscal primário; que não expandirá o gasto público etc.

Então por que o "mercado" ficou nervoso?

Para seu apetite, o central é manter a taxa de juros o mais elevada possível, pelo maior período possível. Aqueles 150 aplicadores estrangeiros adoram se nutrir dos juros brasileiros, os mais polpudos do planeta. Até mesmo John Williamson, do Instituto de Economia Internacional, aquele do conceito de Consenso de Washington, considera que o aperto monetário foi longe demais, com custo alto para o País.

Mas, como continua ótimo para os aplicadores de curto prazo, nosso presidente, para tranqüilizá-los, não só preservou a autonomia do Banco Central - retirando-o da subordinação a Mantega - como garantiu, em conversa esta semana com Meirelles, que seu relacionamento mútuo seria direto. O senador Mercadante sublinhou: "Meirelles fica, é ministro e o presidente confia no trabalho dele. O papel do Banco Central não está em discussão". Também ministro, Furlan, com agudo senso de oportunidade política, recomendou que, na batalha dos juros, Mantega deixasse o papel de atacante pelo de goleiro. Meirelles, ministro desde agosto de 2004, chama Mantega de colega.

Um último movimento demonstra a força de Palocci: na Fazenda, ficam Afonso Bevilacqua, Alexandre Schwartsman e Rodrigo Azeredo, tão ou mais importantes para o "mercado" que Meirelles. O presidente Lula, em entrevista ao The Economist, disse que não estava preocupado com o crescimento da economia. Acredita que, se o Brasil construir fundamentos perfeitos, receberá gigantesco apoio de investimentos do exterior. O presidente parece desconhecer que a imensa maioria das grandes multinacionais já tem filiais por aqui. Estas, ao invés de investir na capacidade de produção, têm remetido volumes cada vez maiores de lucros para fora. Em 2005, salvo engano, foram 70% maiores que os de 2004. A razão é singela: o Brasil tem crescimento medíocre, ponto sublinhado pelas agências de rating.

Capital estrangeiro não faz nenhuma economia crescer. Flui para mercados em expansão. Prefere a China ao Brasil porque lá há dinamismo. Aqui, tem apetite apenas pelos juros escorchantes - até 23 vezes superiores aos dos países do Primeiro Mundo e dez vezes aos dos demais emergentes. Os estrangeiros não "investem" no Brasil: aplicam em papéis financeiros, especulam com o valor desses ativos e remetem os ganhos para casa. Até mesmo brasileiros se convertem em aplicadores "externos" em relação ao "mercado".

Mas o presidente tem fé na sua capacidade de sedução. Nesta semana, no Fórum Brasil-Itália da Fiesp, reiterou convite para que as empresas italianas invistam no País e anunciou facilidade adicional: visto de residência permanente a qualquer empresário italiano disposto a investir mais de US$ 50 mil. Portugal permite que um brasileiro lá permaneça se portar US$ 500 mil. Até parece um quadro de fim de feira.