Título: Campanha sem substância
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/04/2006, Notas e Informações, p. A3

Ao desconforto dos tucanos com o pouco viço da candidatura presidencial do ex-governador Geraldo Alckmin, revelado em reportagem publicada domingo neste jornal, começa a se somar a demanda de formadores de opinião - jornalistas e analistas políticos - por mais idéias e menos palavras ao vento na temporada sucessória. No Estado, a colunista Dora Kramer lembra que, em todas as eleições nacionais desde a redemocratização, a esta altura do processo, pouco menos de seis meses antes da votação, o eleitorado já sabia a que vinham os candidatos. Desta vez, nem sombra.

Claro está que isso só convém ao projeto de reeleição do presidente Lula. Quanto mais tempo ele puder ocupar a cena, como vem fazendo até aqui, em regime de monopólio, com o seu próprio carisma e o bordão do "nunca antes neste País...", menor será o risco de que as parcelas insuficientemente informadas da população - o seu público-alvo por excelência - parem para se perguntar: e o que serão mais quatro anos de Lula-lá? Bater na tecla da comparação com os governos Fernando Henrique, como começou a fazer a propaganda petista na TV, é um truque que serve para manter ao largo a questão do futuro, além da patente desonestidade de afirmar que os proclamados êxitos do lulismo na economia e no social resultaram de rupturas com a "herança maldita" e não, como é fato, de sua continuidade e aprofundamento.

Por ora, bem entendido, essa mágica barata chegou ao seu ponto culminante na festa da auto-suficiência do Brasil em petróleo, com a barragem publicitária da Petrobrás - mais uma esbórnia da grife Duda Mendonça - e a imagem, plagiada de Getúlio Vargas, do presidente com as mãos enegrecidas pelo óleo. É tamanha a sua convicção de que o povo não o associa aos podres do mensalão - do qual foi o maior beneficiário -, que não temeu exibir-se ostentando o símbolo universal da corrupção: as mãos sujas. Lula, como se diz, está na dele. O que não faz sentido é o comportamento da oposição. Ela é que está em grave falta, ao permitir o que a colunista Miriam Leitão definiu, no Globo, como "o pior do debate pré-eleitoral": o fato de tangenciar tudo o que é relevante.

E nada é mais relevante para a capacidade do Estado nacional de promover o desenvolvimento sustentado com justiça social - a aspiração unânime dos brasileiros - do que enfrentar o descalabro financeiro do sistema previdenciário, "bomba-relógio" pronta para explodir a qualquer momento o precaríssimo equilíbrio fiscal que é a base de sustentação do anêmico crescimento econômico. "O problema fiscal brasileiro atende pelo nome de Previdência Social", resumiu no seu comentário de ontem no Estado o jornalista Ribamar de Oliveira. Os desembolsos do INSS com aposentadorias passaram de 4,8% do PIB em 1995 para cerca de 8% este ano. Além disso, um estudo conduzido pela coordenadora da Fipe, Maria Helena Zockun, para a Federação do Comércio do Estado de São Paulo, mostra que 10% dos beneficiários melhor aquinhoados por aposentadorias no Brasil - em geral, os do setor público - custam para o Estado o mesmo que 60% dos menos aquinhoados - em geral, os aposentados do setor privado. Em média, um inativo do governo recebe R$ 25.300 por ano; o aposentado do INSS recebe R$ 5.660.

Isso é essencial para se entender por que nenhum país desembolsa tanto com o conjunto da seguridade social como o Brasil: 12% do PIB - quase o triplo do que seria adequado considerando a proporção de idosos no conjunto da população. Essa proporção é aproximadamente a mesma entre nós e no México. Mas, ali, as despesas com a previdência não chegam a 5% do PIB, dentro da média mundial.

A reforma do sistema é cada vez mais imperativa. No entanto, governo e oposição parecem estar numa aliança tácita para esconder o assunto no ano eleitoral. O silêncio oportunista dos políticos - explicável no primeiro caso, inaceitável no segundo - acarreta três conseqüências funestas. Primeiro, impede o público de se inteirar de uma realidade alarmante. Segundo, poupa os candidatos de anunciar o que pensam fazer - se é que pensam - em relação ao quadro pantanoso. Terceiro, bloqueia um debate nacional a respeito das alternativas mais aptas para se sair do atoleiro.