Título: Doleiro diz ter pago R$ 300 mil para Mentor excluí-lo de relatório
Autor: Denise Madueño e Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/04/2006, Nacional, p. A4

Em depoimento ao Ministério Público de São Paulo, o doleiro Richard Andrew de Mol van Otterloo afirmou ter pago R$ 300 mil de propina ao deputado José Mentor (PT-SP) para que ele não incluísse seu nome no texto final da CPI do Banestado, da qual foi relator. O depoimento deu origem a uma representação da Promotoria de Justiça da Cidadania de São Paulo contra o deputado, por suposta participação em crime de extorsão ou corrupção ativa.

A representação - encaminhada pelo procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo César Rebello Pinho - foi protocolada na presidência da Câmara às 20 horas de quarta-feira passada. Justamente nesse horário os deputados estavam reunidos no plenário para julgar pedido de cassação de Mentor, que acabou absolvido da acusação de envolvimento no esquema do mensalão.

O presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), deverá enviar hoje a representação para o corregedor-geral da Casa, deputado Ciro Nogueira (PP-PI).

Mentor, por meio de sua assessoria, considerou "absurda" a acusação e disse desconhecer a representação dos promotores. O deputado sustentou que nunca recebeu R$ 300 mil do doleiro nem de qualquer outra pessoa. Ele relacionou a acusação ao fato de ter, segundo sua versão, atuado de forma séria na CPI do Banestado e provocado a raiva de diversos doleiros que tiveram o sigilo bancário e fiscal quebrado durante a investigação.

O depoimento de Otterloo foi prestado no último dia 4 ao promotor de Justiça Sílvio Antonio Marques e ao procurador da República Rodrigo de Grandis. O doleiro contou ter chegado até um intermediário de Mentor por sugestão de Flávio Maluf, filho do ex-prefeito Paulo Maluf, que temia ver seu nome citado na CPI por causa de operações relacionadas com Otterloo.

O doleiro relatou que mantinha um acordo operacional com Vivaldo Alves, doleiro conhecido por Birigüi, que, segundo ele, cuidava de contas dos Maluf. Otterloo operou a conta Jazz no MTB Bank de Nova York de 28 de março de 1997 até julho de 2002, quando ela foi fechada, e a conta Campari, aberta no mesmo banco.

No termo de declaração encaminhado à Câmara, há um item intitulado "Fatos relacionados ao deputado federal José Mentor e Flávio Maluf", no qual Otterloo conta como teria sido feito o pagamento da propina e como teria chegado ao intermediário de Mentor. "Na época da CPMI do Banestado (2003-2004) em razão da divulgação na imprensa de contas administradas pelo declarante (Otterloo), foi procurado por Flávio Maluf, o qual lhe disse que havia uma pessoa ligada ao deputado federal José Mentor, relator daquela CPMI, que poderia intervir junto ao parlamentar com o objetivo de excluir o declarante das investigações e do relatório final", diz o termo de declaração do doleiro.

Depois da sugestão, Otterloo conta que entrou em contato com a pessoa citada por Flávio Maluf, cujo nome e telefone, no entanto, ficou de fornecer aos procuradores depois de consultar sua agenda. "Flávio Maluf queria evitar que aparecesse a conta Campari nas investigações, que poderia vinculá-lo a Simeão Damasceno de Oliveira", explicou o doleiro no depoimento. Oliveira é ex-diretor da empresa Mendes Júnior, investigada pelo Ministério Público por suposto pagamento de propina a Paulo Maluf durante a construção da Avenida Água Espraiada, em São Paulo.

No depoimento, Otterloo conta que, na conversa com o intermediário de Mentor, lhe foi solicitado que pagasse R$ 300 mil. O valor teria sido entregue em dinheiro, em um flat de São Paulo.

Segundo o relato do doleiro, foram apresentadas a ele provas de que o acordo foi cumprido pela outra parte envolvida. Otterloo disse que "efetivamente recebeu o relatório final da CPMI, antecipadamente, em disquete, antes da data marcada para apresentação que seria feita pelo deputado José Mentor". O relatório não continha seu nome e ele não foi em nenhum momento intimado a depor no Congresso.

"Esclarece ainda que teve notícia de que outros doleiros também foram procurados para pagar propina a José Mentor, não sabendo se houve efetivo pagamento", prossegue o termo de declaração de Otterloo. Ele contou ainda que houve três reuniões até que fosse efetuado o pagamento dos R$ 300 mil. Segundo ele, seu sócio Raul Srour, que também seria incluído no relatório, conhece o caso.

No termo de declaração consta que Otterloo prestou depoimento para "colaborar espontaneamente". Ele foi acompanhado dos advogados Gustavo Rodrigues Flores e Antonio Augusto Lopes Figueiredo Basto, e se comprometeu, segundo o termo que assinou, a colaborar "com outras investigações e, assim, obter os benefícios previstos em lei". Autorizou também a quebra de seu sigilo bancário, fiscal e telefônico, assim como a de empresas a ele ligadas.

Maurício Leite e José Roberto Batochio, advogados de Flávio Maluf, disseram que vão se pronunciar assim que tiverem acesso ao termo de declaração do doleiro.