Título: Consumo de maconha cresce entre jovens de aldeia
Autor: Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Metrópole, p. C5,6,7

Índios de Japorã que trabalham no Paraguai recebem a droga como pagamento, diz Funai

O cenário impressiona. Sob a luz das estrelas e dos faróis do Fusca comprado com indenização das vacas abatidas durante o surto de aftosa, o cacique da aldeia Porto Lindo, Lauro Vilharva, mostra uma garrafinha com maconha. Foi entregue por um dos tantos pais da tribo cujos filhos usam drogas. Ao lado, está uma camionete branca. Servia em casos de emergência, mas foi depredada. Alguns metros adiante, 20 e poucos índios celebram na Casa de Reza uma cerimônia fúnebre. No meio, alguns cambaleiam, alcoolizados. De repente, dois começam a discutir. Um com um pedaço de pau na mão, outro ameaçando puxar a faca. Um grupo aparece para apartá-los. Logo alguém começa a narrar mais casos de violência. Como o da mulher que tomou um tiro. E o do irmão mais novo que matou o mais velho.

"Nós precisamos de socorro", desabafa o cacique, chamado ali de capitão. "E de segurança. Porque aqui é fronteira e é fácil ter contato com essas pessoas da droga. Estão entrando muitas armas de fogo na aldeia. Droga a gente nem sabia o que era. Agora tem maconha, comentam de cola, ouvi falar também daquela outra, a cocaína."

A Porto Lindo tem cerca de 5 mil guaranis-caiovás e fica em Japorã, ao lado da fronteira. Fica perto também do município de Iguatemi, onde o Conselho Tutelar já cansou de registrar furtos praticados por crianças e adolescentes indígenas. "É bastante preocupante. Eles começam com bebida e passam para droga. Para ter dinheiro, furtam bicicletas, CDs, óculos, bonés", conta a presidente do conselho, Rosana Socovoski.

A Porto Lindo é apenas uma entre várias aldeias com problemas. O álcool se alastrou pelas tribos. "Para branco, vendem o corotinho (garrafa) por R$ 0,70. Para índio, como é proibido, custa R$ 2,00", conta o vice-cacique da aldeia Limão Verde, Lico Nelson Rodrigues. Há casos também de gravidez precoce, suicídios, mortalidade infantil. Índios dizem que já levaram as denúncias a Brasília, mas ninguém tomou providência.

Para o coordenador da Funai em Mato Grosso do Sul, Fernando Schiavini, os dramas sociais têm a ver com um processo histórico de espoliação dos índios do Estado. "As reservas estão superlotadas", afirma. Sem terra nem condições para plantar, muitos vão trabalhar no Paraguai. "E tudo indica que, em vez de dinheiro, estão recebendo em maconha." A solução, para ele, passa por investimentos da União, demarcação de terras, ações sociais e de polícia. "Mas equívocos históricos não serão consertados de uma hora pra outra", alerta. "Com atenção constante, em 20 anos estará melhor."