Título: Traficantes brasileiros comandam plantio de maconha no Paraguai
Autor: Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Metrópole, p. C5,6,7

País vizinho deve produzir este ano 15 mil toneladas em 5 mil hectares, que abastecem boa parte do Brasil

A poucos quilômetros da fronteira entre Brasil e Paraguai, plantações de maconha crescem livremente no país vizinho. Do alto, chamam a atenção pelo verde vivo, entre bois e culturas de soja. Por terra, estendem-se em regiões de vale, mais úmidas e fáceis de camuflar. Prensados e embalados, saem daí os tijolos de maconha que abastecem bocas-de-fumo paulistas, cariocas e de boa parte do resto do Brasil. Entram no País em carretas, ônibus, carros e até bicicletas, alimentando vícios, chacinas, corrupção. E tendo no comando criminosos brasileiros que descobriram nas terras e mão-de-obra paraguaias seu eldorado.

"Brasileiros são hoje a quase totalidade dos líderes de produtores de maconha no Paraguai", diz o juiz federal Odilon de Oliveira. Estima-se que o país vizinho produzirá este ano 15 mil toneladas de maconha em 5 mil hectares de plantação - há 2 anos, eram 3 mil -, diz Odilon, citando levantamento da ONU.

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) fez há duas semanas em Aral Moreira (MS) operação de patrulha na fronteira. Policiais da Divisão de Operações Aéreas, a bordo de um helicóptero Colibri EC-120, voaram sobre a linha internacional - apenas uma estrada de terra por onde muitos não arriscam passar. Um deles, Antonio Oliveira, carregava um fuzil americano Bushmaster calibre 556. "Em região de fronteira o nível de alerta sempre aumenta; vigias das plantações trabalham com armamento pesado", diz. Detalhe: o mesmo fuzil é vendido no Paraguai por US$ 1.500,00, uma ninharia para os traficantes.

A maconha consumida no Brasil vem também do Polígono da Maconha, em Pernambuco, e do Maranhão e Pará. Mas a paraguaia é considerada melhor: tem mais tetrahidrocanabinol (THC), o princípio ativo, e seus pés alcançam 3 metros de altura, o dobro do normal. Com mais produção, caiu o preço e aumentou a diversidade: há maconha mentolada, manga-rosa (com mel), tradicional. Para alguns, tal eficiência foi possível com manipulação genética, que diminuiu o ciclo de crescimento da planta. Outros consideram maconha transgênica mito. "Nunca se achou laboratório de sementes geneticamente modificadas. O que há são condições climáticas propícias", diz Fernando Francischini, da Coordenação de Operações Especiais de Fronteira.

O preço da droga varia conforme a distância da plantação. Em Capitán Bado, no lado paraguaio, o quilo vai de R$ 15,00 a R$ 30,00. Em Dourados (MS), de R$ 150,00 a R$ 200,00. Em Campo Grande, R$ 200,00 a R$ 250,00. Em São Paulo, a porção de dez gramas custa R$ 5,00. Alguns traficantes dão mimos: um pouco de haxixe a quem compra maconha. "É muito comum apreendermos os dois", diz Marcos Khadur, da PRF. E impressiona a mobilidade do tráfico. Cresce a fiscalização, surgem novas rotas. "É como jogo de gato e rato", diz Oliveira.

Só não muda a cultura de violência, que surpreende quem vem de fora. Natural de Campo Grande, o promotor de Justiça Thalys de Souza até hoje não se acostumou a tanta arma - no Fórum de Amambai, onde trabalha com um promotor e dois juízes, é o único a andar desarmado. Nem ao costume que há em Coronel Sapucaia de dispensar capacete. "Usar capacete lá significa que se está indo fazer uma execução." Chama a atenção também na cidade o monte de antena de rádio. A maioria, segundo a polícia, usada por traficantes.

Juiz em Amambai, César de Souza Lima lembra de ter passado pela fronteira quando tinha 16 anos e uma "inocência danada". E agora que é juiz? "Não, hoje não. Chega carro estranho, eles (traficantes) já avisam por rádio." Em sua opinião, com segurança só se passa ali de um jeito: num blindado do Exército.

FAMÍLIA BEIRA-MAR

Não por coincidência, foi em Capitán Bado que morou Fernandinho Beira-Mar, o FBM. No fim do ano passado, escuta policial descobriu plano de resgatá-lo e levá-lo para lá, onde sobram denúncias de seu dedo em chacinas. Em 2001, o traficante João Morel, apontado pela CPI do Narcotráfico como "rei da maconha", foi morto na Penitenciária de Campo Grande. Dias antes, dois de seus filhos tinham tido o mesmo destino. Os crimes foram atribuídos a Beira-Mar. Com as mortes, outro traficante, Líder Cabral, ganhou poder. Mas acabou, em 2002, com mulher, filho de 3 anos e mais sete pessoas da família assassinadas. De lá pra cá, mais chacinas abalaram a fronteira e mais criminosos apareceram: os pequenos coabitando com a permissão dos grandes. Tráfico e violência são tão presentes por lá que um site de Capitán Bado, além de fotos macabras, traz no cabeçalho a chamada: "Notícias da maconha nossa de cada dia." Uma história chama a atenção: um comparsa de Beira-Mar, morto em janeiro em Pedro Juan Caballero, teve o corpo misteriosamente levado Brasil adentro até Duque de Caxias (RJ), onde foi enterrado. Numa coroa de flores, lia-se "Saudades dos Amigos Chapolin e Playboy/ Família FBM".

Isso mostra, na opinião do embaixador do Paraguai, Luis Gonzalez, que é só o começo de uma luta que tem de ser permanente. Segundo ele, a parceria Paraguai-Brasil intensificou-se em 2004 com a criação de uma comissão antidrogas, mas um dos problemas é o custo das operações - em torno de US$ 50 mil cada. "O governo paraguaio está lutando e o importante não é pôr culpa num país ou outro, mas trabalhar junto para substituir cultivos ilegais na fronteira."