Título: A lição que Serra não ensinou: Kassab é pontual
Autor: Iuri Pitta
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Metrópole, p. C3,4

Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo

Não se pode classificar Gilberto Kassab como um sujeito bom de conversa, daqueles que cativam o ouvinte, como são o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o atual, Luiz Inácio Lula da Silva. Suas respostas são de alguém que fala no papel de prefeito, uma espécie de homem-instituição, mais no estilo Geraldo Alckmin, Marco Maciel e Cláudio Lembo. Mas ele topa falar de tudo, mesmo nunca surpreendendo nas respostas.

Como foi a primeira noite como prefeito? Comemorou?

Não foi difícil pegar no sono, dormi tranqüilo e bem. Não comemorei, jantei com meus pais, um jantar normal. Não há motivo para comemoração porque não muda nada. Está muito claro que o prefeito José Serra deixou a cidade para que eu e a equipe déssemos continuidade ao plano de governo. E, a partir do ano que vem, com o Serra governador, queremos continuar a parceria da cidade com o Estado.

O senhor não teme ser tachado como um político sem criatividade por não trazer idéias novas?

Seria de se estranhar se eu fizesse o contrário. O prefeito Serra foi eleito com uma votação muito expressiva. Teve ao longo do primeiro ano uma das melhores avaliações de ótimo-bom dos últimos 30 anos. E está claro que ele se afastou da Prefeitura para ajudar ainda mais a cidade. Existe em São Paulo uma dependência muito grande em relação ao governo do Estado. Não há a menor condição de resolver os problemas da cidade sem a parceria do governo do Estado. Transporte e saúde são os principais exemplos. Transporte tem a questão do metrô, trens, verbas para as grandes obras de infra-estrutura. E, na saúde, as Amas (unidades de Atendimento Médico Ambulatorial). As organizações sociais são um modelo que deu certo. Nós esperamos até o fim do ano inaugurar pelo menos 50 Amas e parte delas será feita pelo governo estadual.

Qual é o destaque da gestão José Serra nesse ano que passou?

O saneamento financeiro e administrativo e a qualidade da equipe. Isso vai continuar porque a equipe e as diretrizes são as mesmas.

E o que faltou fazer e merecerá mais esforço?

Infelizmente, a situação herdada foi ruim. Obras paradas, deixadas de lado, dívidas monstruosas e contratos mal formulados. O grande problema foi fazer a máquina andar novamente. Com o saneamento, espero que os investimentos sejam uma crescente no decorrer do mandato - do governo municipal, com a ajuda do estadual e federal.

O ex-prefeito é conhecido como um político agressivo. O senhor é mais articulador. Como a diferença de personalidade dos prefeitos vai afetar a gestão?

O que está em jogo não é a personalidade, mas a manutenção das diretrizes. Nós não vamos nos afastar um milímetro dessas diretrizes mesmo porque ajudamos na formulação.

Existe muito embate acontecendo na cidade. Empresários reclamando que não recebem e greve de professores. Como o senhor vai enfrentar essas pressões?

Numa realidade complexa como a de São Paulo, é natural que existam problemas com grandes dimensões. Vamos enfrentar com transparência, preservando antes de mais nada o interesse público.

Os empresários cobram o não-pagamento de R$ 1,2 bilhão de restos a pagar da gestão Marta Suplicy (PT). E não querem que suas dívidas sejam leiloadas, como prevê a Secretaria de Finanças. O senhor pretende realizar os leilões?

Na renegociação dos contratos com esses empresários, tivemos uma economia de R$ 500 milhões. E as dívidas herdadas, em torno de R$ 2 bilhões, nós já pagamos quase R$ 1 bilhão. Não há dúvidas de que o decreto seja legal e que os leilões vão acontecer brevemente. Aqueles empresários que mais reduzirem suas dívidas terão suas dívidas quitadas. Os que não quiserem, receberão no prazo de sete anos, como foi previsto no decreto de Serra no começo do ano.

O que fazer com os empresários de ônibus que querem aumento nas verbas para o setor? O que pretende para os Transportes?

A implantação do bilhete único causou aumento de perto de 4,5 milhões de viagens. Esse aumento provocou necessidade de ajustar o sistema. Estamos nessa fase de adaptação. O secretário dos Transportes, Frederico Bussinger, entende, e eu concordo com ele, que com as medidas antifraudes e outras de racionalidade administrativa e de operação, nós teremos a normalidade e o equilíbrio do sistema.

A saúde era apontada como prioridade do prefeito. Como administrará o setor?

Antes de mais nada, haverá uma racionalidade da administração. Em segundo, um aprofundamento das parcerias com o governo do Estado e se possível com o governo federal. E as Amas, que entraram para desafogar o sistema de pronto-socorro dos hospitais, vão dar um conforto maior ao atendimento.

Como será a negociação com os consórcios que prestam serviços de coleta de lixo, contrato que o prefeito Serra chegou a ameaçar rescindir?

A negociação com as empresas continuará sendo dura. Dando seqüência aos entendimentos coordenados pelo ex-secretário de Serviços, Andrea Matarazzo.

O senhor conhece a periferia de São Paulo? Como diminuir a desigualdade?

Conheço. Fui vereador, nasci aqui. Devemos investir em educação, no social e na saúde.

O senhor é conservador? É de direita, de esquerda?

Não sou conservador. Sou um liberal, de centro, conciliador. Direita, esquerda são rótulos que não se adaptam mais à realidade atual. Mas se precisar me definir, sou de centro.

A Parada Gay é um dos principais eventos da cidade. O senhor estará presente na Parada?

Não vou fazer discurso em carro alegórico. Minha participação como prefeito é institucional. Mas São Paulo tem hoje três grandes eventos. A Parada Gay, a Marcha Evangélica e o 1º de Maio, todos muito importantes para a cidade.

Já usou drogas? O que o senhor acha do tema?

Não. Acho que as pessoas que usam drogas precisam de muito apoio para encontrar o seu caminho.

O que pensa da homossexualidade?

Respeito.

O senhor foi muito atacado durante a campanha à Prefeitura pela candidatura da ex-prefeita Marta Suplicy. Passados quase dois anos, como o senhor enxerga as acusações?

São críticas superadas e o importante é governarmos.

Cabe espaço para o PFL indicar o vice da chapa de José Serra?

Acho que é natural. A aliança PSDB-PFL deu certo em todos os momentos em que ela existiu.

O senhor é apontado como bom nome para futuras eleições para o executivo em São Paulo, posto que o PFL sempre teve dificuldades em preencher. Pensa em concorrer à reeleição ou ao governo?

Com muita sinceridade, penso em ser um bom prefeito e encerrar o mandato tendo a confiança que Serra e essa administração depositaram em mim. Eu não tenho outro projeto. BRUNO PAES MANSO

Qual a melhor lembrança?

A primeira eleição, para vereador.

E a pior?

Quando recebi acusações injustas e infundadas.

Em qual político se inspira?

Jorge Bornhausen, Marco Maciel e Claudio Lembo.

O que faz quando não está trabalhando?

Gosto de estar com a família, ir ao cinema, ler e praticar esportes.

Religião?

Católico.

Qual o livro favorito?

Tenho vários de que gostei muito. O que estou lendo atualmente é "Jesus e Javé", de Harold Bloom.

Filme preferido?

Também são muitos. Entre os nacionais, gosto de "Central do Brasil". Também admiro o cinema argentino e gostei muito de "Nove Rainhas". Entre os mais antigos, "O Poderoso Chefão".

Estilo de música preferido.

Sertaneja.

Para que time torce?

São Paulo.

Fala outra língua além de português?

Bons conhecimentos de francês e inglês.

Qual o próximo passo na carreira?

Ser um bom prefeito para São Paulo.

Defina José Serra.

Um homem arrojado, bem preparado, muito inteligente e que pauta suas ações com o propósito do espírito público.

Kassab por Kassab.

Um homem determinado, sincero, tranqüilo e muito aplicado.

No primeiro compromisso público como prefeito, Gilberto Kassab (PFL) repetiu as expressões combinadas com o ex, José Serra (PSDB). Em uma frase, resumiu: "Não estou começando, estou continuando". Só quebrou uma tradição notória do tucano e chegou com 15 minutos de antecedência à inauguração do Centro de Referência da Criança e do Adolescente da Lapa. Na segunda agenda - plantio de árvores com escoteiros na Vila Sônia -, nova pontualidade. Deixar o povo esperando, pelo jeito, foi a lição que Serra não passou a Kassab.

O prefeito manteve a peculiar discrição. No discurso, pouco lembrou o estilo Serra. E não acertou a pronúncia do sobrenome do secretário de Assistência e Desenvolvimento Social, Floriano Pesaro - a sílaba forte é a "pe" e não a "sa", como ele falou.