Título: MP denuncia Stédile por depredação
Autor: Elder Ogliari
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/04/2006, Nacional, p. A8

O Ministério Público do Rio Grande do Sul denunciou ontem à Justiça 37 pessoas ligadas à Via Campesina por dano qualificado, furto qualificado, formação de quadrilha e bando armado, seqüestro e cárcere privado e lavagem de dinheiro. Entre os acusados está o líder do Movimento dos Sem-Terra (MST) João Pedro Stédile. Os cinco crimes foram apontados no inquérito policial que investigou a depredação de um laboratório e viveiro de mudas da Aracruz Celulose, em Barra do Ribeiro, no dia 8 de março.

Responsável pela acusação, o promotor Daniel Indrusiak admite na denúncia que não foi comprovada a presença de Stédile na depredação da Aracruz. Mas considera que o líder sem terra teve função decisiva no planejamento e na execução do crime, por estimular os demais ao delito, oferecer subsídios teóricos e promover a adesão de simpatizantes do MST ao ato.

A denúncia aponta que 11 pessoas tinham domínio do fato, participando como planejadoras e organizadoras. Entre elas estão o britânico Paul Nicholson, o indonésio Henry Saragih, a dominicana Juana Ferrer e a suíça Corinne Dobler, além de Stédile. Mais oito pessoas foram relacionadas como participantes secundários do planejamento, e outras 18 figuram como participantes exclusivamente da execução do delito.

Ao todo foram acusadas 27 mulheres e 10 homens, 30 com residência no Rio Grande do Sul, 3 no exterior, e 4, inclusive Stédile, em local desconhecido.

A investigação policial que serviu de base para a denúncia oferecida pelo Ministério Público revelou alguns detalhes ainda desconhecidos da ação na Aracruz, que danificou 50 mil mudas de árvores nativas, 1 milhão de mudas de eucaliptos e todos os equipamentos do laboratório, com prejuízo estimado em pelo menos R$ 880 mil.

Indrusiak concluiu que o delito estava sendo planejado desde o fim de 2005, em encontros dos movimentos ligados à Via Campesina. Também relatou um episódio, já na invasão, em que quatro mulheres declararam que o motorista de um dos ônibus que as conduzia à Aracruz deveria se considerar "seqüestrado" e não falar com ninguém enquanto durasse a ação.

Além do motorista Manoel Martins, os vigias Ênio da Silva e Márcio Pacheco de Souza ficaram privados da liberdade durante a ação. O promotor acrescentou que o roubo de um disco rígido de memória de um computador teria sido instigado por Stédile, "decerto por lhe interessar o conteúdo arquivado".

RECURSOS INTERNACIONAIS

O promotor disse que seguirá investigando a origem, possivelmente internacional, dos recursos que financiam atividades de entidades que, a pretexto de representar movimentos sociais, executam ações violentas como a que reuniu quase 2 mil pessoas para destruir as instalações da Aracruz. Para isso, ele pediu à Justiça a quebra do sigilo bancário das Associações de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Região Sul, das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Rio Grande do Sul e Nacional das Mulheres Camponesas.

Quando buscava pistas dos invasores da Aracruz, a polícia encontrou na sede das três entidades, em Passo Fundo, R$ 17,1 mil, US$ 5,9 mil dólares, 7 mil pesos chilenos e 9 quetzeles guatemaltecos, além de muitos cheques de vários emitentes, a maioria sem valor preenchido.

Indrusiak acusou os líderes da ação na Aracruz de ocultar e dissimular a origem dos recursos que captavam sob a forma de entidade regularmente constituída, a pretexto de realizar manifestações de cunho ideológico e reivindicatório. "É clara a percepção de que são grupos extremamente organizados, com complexidade de ramificações", avaliou o promotor.

'CONSCIÊNCIA TRANQÜILA'

"Estou com a consciência tranqüila, não cometi nenhum crime nem estimulei nenhum crime", afirmou Stédile ao saber da denúncia de Indrusiak, prometendo que os advogados darão as respostas necessárias. Para ele, o promotor está "forçando a barra, fazendo acusações infundadas, que não correspondem à verdade". O líder disse esperar que o Ministério Público seja célere também em abrir processos contra "os verdadeiros crimes que a Aracruz cometeu e comete contra os povos indígenas, as famílias quilombolas e o meio ambiente, tanto no Rio Grande do Sul como no Espírito Santo e na Bahia".

No dia da invasão, Stédile participava de um encontro internacional em Porto Alegre. "Após o episódio manifestei de público minha opinião, cumprimentando as companheiras pela coragem", disse . "Exerci o legítimo direito de opinião numa democracia. O mesmo direito dos que nas últimas semanas têm atacado de maneira vergonhosa e sistemática as companheiras da Via Campesina."

Informada pela imprensa da denúncia, a Via Campesina avisou, por sua assessoria, que só se manifestará depois de tomar conhecimento formal dela.