Título: Longe da doença, perto do prejuízo
Autor: Elder Ogliari
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Economia & Negócios, p. B10

A pequena cidade gaúcha de Nova Bréscia, que trocou a agricultura pela avicultura, vive dias de incerteza

A gripe aviária na Ásia e Europa paralisou a economia de Nova Bréscia, pequeno município gaúcho de três mil habitantes mais conhecido por sediar o Festival da Mentira e por exportar churrasqueiros para todo o mundo do que por sua principal atividade, a criação de frangos.

Os galpões estão vazios. Os serviços auxiliares, como carregamento e transporte de ração, de pintos e de lotes terminados de aves, estão suspensos. E diversos investimentos programados para esta época do ano foram adiados.

Alguns números fornecidos pela prefeitura são suficientes para demonstrar a importância da avicultura para o município. A atividade responde por 90% da arrecadação do ICMS e ocupa 214 das 480 famílias que vivem na zona rural, uma região montanhosa, com muitas áreas de preservação em encostas, que não permite exploração agrícola em escala comercial. O secretário municipal da Agricultura, Leo Fontana, diz que um cálculo inicial indica que se a paralisação atual durar dois meses, como está previsto, pode retirar uma fatia de R$ 500 mil do retorno de ICMS previsto para 2008. O orçamento da prefeitura é de R$ 9 milhões.

Os avicultores têm dificuldades para entender como uma doença que atingiu mais aves selvagens do que domésticas, e no outro lado do mundo, foi capaz de colocá-los em férias forçadas. "Se aqui não existe esta doença, como é que podemos ficar sem trabalho?", pergunta-se Ilso Mattuella, dono de dois aviários vazios e com parte do material para a construção do terceiro depositada num pátio. Há até incrédulos. "Não existe gripe aviária", ressalta Loreno Magnanin, um produtor de mudas de eucaliptos e acácias que estava entrando na criação de frangos. "Isso é coisa de estrangeiros que não querem ver o Brasil ir para a frente".

O mecanismo que paralisou Nova Bréscia tem sua velocidade determinada pelo apetite dos compradores, na Europa e Ásia. Assustados pela gripe aviária, os consumidores daqueles continentes deixaram de comer carne de frango. Os pedidos para fornecedores brasileiros, que haviam se acelerado no final do ano passado, ficaram escassos. O grupo Avipal, ao qual a maioria dos avicultores de Nova Bréscia é integrada, optou pela suspensão do alojamento de pintos durante fevereiro. Desde então, os avicultores entregam os lotes que terminam, mas não recebem novos, ficando com os galinheiros vazios.

Um dos primeiros a suspender atividades foi Cassemiro Cigolini, da Linha Arroio das Pedras Altas. Depois do carregamento do último lote, em 10 de fevereiro, não recebeu mais pintos para alojar nos quatro aviários, com capacidade para 90 mil aves, que possui e que cuida com ajuda da mulher, Vilma, do filho Oscar e da nora Rosedis.

Como também têm dois caminhões e são sócios num terceiro, Cigolini e seu filho Oscar não ficaram imediatamente sem trabalho. Seguiram fazendo fretes, levando ração da Avipal para os galinheiros que ainda tinham lotes de frangos por terminar. Nesta semana o transporte vinculado às aves acabou. Dois caminhões estão parados nos galpões. Só o terceiro ainda sai para atender frigoríficos e criadores de suínos.

O prejuízo ainda não está calculado, mas a cada um dos seis ciclos anuais de terminação de frangos a família fatura cerca de R$ 15 mil, brutos. "Eu ia comprar um trator para remover o esterco, mas, por enquanto, não vai dar", conta Cigolini. "O pior é que a receita pára, mas as despesas continuam", lamenta, referindo-se à manutenção da propriedade e às necessidades de consumo de seis pessoas, incluindo duas crianças em idade escolar.

Outro casal, Pedro e Débora Pezzini, da Linha Caçador, esvaziou o aviário na quinta-feira, quando a Avipal recolheu dez mil frangos prontos para o abate. A perspectiva de ficar alguns meses parado não assusta o avicultor porque o investimento feito recentemente na ampliação do galpão só começa a ser pago em 2009. Além disso, oito vacas leiteiras podem garantir uma renda alternativa.

ESTIAGEM

Alguns avicultores foram mais afetados. É o caso de Ângelo Viecelli, parado pela segunda vez em pouco mais de 12 meses. A primeira foi no verão de 2005, quando, por morar em lugar alto, não recebeu a água do poço artesiano cavado pela comunidade de Linha Caçador e ficou 60 dias sem poder criar frangos durante a estiagem. "A renda cai muito quando ficamos cuidando só do gado", revela Cleber, o filho que ficou em casa ajudando no galinheiro. A família tem oito vacas.

A crise na avicultura também conteve investimentos. Ilso Mattuella já havia comprado a madeira e encomendando o equipamento para montar seu terceiro galpão, que ampliaria a capacidade produtiva de 28 mil cabeças para 42 mil cabeças por ciclo. O financiamento, de R$ 50 mil, também estava aprovado pelo Bansicredi, mas não chegou a ser retirado.

Os serviços de apoio à avicultura padecem do mesmo mal. Dono de uma empresa fornecedora de mão-de-obra para o carregamento de frangos, Elton Zambiasi admitia, na quinta-feira, que só teria trabalho para mais dois dias. "Tenho três turmas de 16 pessoas cada e serei forçado a dispensar a maior parte", lamenta.

Apesar das agruras, todos demonstram otimismo. Acreditam na previsão feita pela Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav) indicando que a atividade será retomada com vigor no segundo semestre. A Avipal, que deu férias coletivas para os funcionários dos abatedouros de Lajeado e Porto Alegre a partir de 1º de abril, avisou que pretende voltar a alojar pintos em maio. Se confirmar, será o sinal verde para a volta do vigor econômico de Nova Bréscia, uma cidade pacata, sem pobreza, que trocou a agricultura pela avicultura, apostou nas exportações, e quer se ver livre dos azares dos dois últimos anos.

A primeira preocupação, depois da retomada, será o pagamento de dívidas. "Tenho contas vencendo no meio do ano e espero pagá-las com a criação de mais um lote", diz Mattuella. Se o clima for favorável, investimentos como os de Mattuella e Magnanin serão retomados e se somarão a outros projetos, também suspensos, que pretendem elevar a capacidade produtiva municipal de 30 milhões para 37 milhões de cabeças de frango por ano.