Título: Destinação de créditos opõe Brasil aos EUA
Autor: Paulo Sotero, Raquel Massote
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Economia & Negócios, p. B8

Brasil quer foco nas PPPs, mas Estados Unidos querem ampliar benefício para pequenas e médias empresas

Um dos principais embates na reunião anual do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento (BID), de segunda a quarta-feira, será entre a posição americana e a brasileira (e de outros países latino-americanos) na questão do aumento dos empréstimos da instituição ao setor privado.

O Brasil e outros membros do BID querem que a ampliação dos financiamentos ao setor privado seja direcionada para investimentos em infra-estrutura e para as parecerias público-privadas (PPPs). Os EUA, porém, defendem que os empréstimos para o setor privado beneficiem pequenas e médias empresas. Em outro ponto polêmico, brasileiros e americanos devem protagonizar a discussão em torno do perdão de dívidas de países muito pobres da região. O Brasil já sinaliza que vai defender que o socorro às nações pobres, por meio do Fundo de Operações Especiais (FOE) do BID, seja preferencialmente arcado pelos países ricos.

No que se refere aos empréstimos, para os americanos, investimentos em infra-estrutura ou em PPPs acabam sendo formas de financiar o setor público, que geralmente está por trás destes projetos. O BID hoje pode emprestar até 10% de sua carteira anual para o setor privado. Na realidade, empresta de 3% a 4%. Como os governos dos países-membros, na sua quase totalidade, enfrentam severas restrições fiscais, e têm dificuldade em assumir novas dívidas, a instituição precisa ampliar seu mandato para emprestar mais para o setor privado, caso pretenda continuar estimulando o desenvolvimento.

O presidente do BID, Luis Alberto Moreno, acha que o banco pode se envolver com as PPPs no Brasil (ver matéria abaixo), o que o coloca mais próximo da posição brasileira do que da americana.

Recentemente, em Washington, o secretário-assistente do Tesouro americano para assuntos internacionais, Clay Lowery, confirmou que o principal foco dos EUA, no caso da ampliação do financiamento ao setor privado, são de fato as pequenas e médias empresas. "É aí que reside a criação de empregos", disse.

Segundo o secretário-assistente, os EUA querem que a abertura para o setor privado beneficie "aqueles que têm menos oportunidades". Para ele, este objetivo será atingido "através do desenvolvimento das pequenas e médias empresas, e não necessariamente por meio de grandes projetos de infra-estrutura".

Lowery, que está chefiando a delegação americana na reunião de Belo Horizonte, acrescentou que o pacote que o BID preparou para ampliar a participação privada não aborda os temas que interessam ao seu país. "Esta é uma das nossa grandes preocupações", disse.

DÍVIDAS

Ele também explicou que outro dos objetivos americanos na reunião é envolver a instituição nas iniciativas de perdão das dívidas, a exemplo do que foi adotado por outras instituições financeiras multilaterais. "Nós temos feito algumas sugestões sobre como aliviar os países mais pobres da América Latina das suas dívidas junto ao BID", disse Lowery, lembrando que uma grande iniciativa deste tipo vem sendo tocada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e pelo Banco Africano de Desenvolvimento nos últimos anos. "O BID, de certa forma, ficou de fora", observou.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, governador do Brasil no BID, já sinalizou que é necessário, a princípio, "olhar os impactos" da medida. "Se nós tomarmos uma medida de não cobrá-los, isso tem um impacto no fundo e nós precisamos discutir quem vai cobrir esse impacto", disse. Mais explícito, o secretário de Economia do México, Francisco Dias, enfatizou que o perdão teria que ser feito pelos países ricos.

"A posição do México e do Brasil é a mesma: estamos de acordo, desde que os demais países da região não sejam prejudicados", disse, após se encontrar com Bernardo. O brasileiro também recebeu o ministro da Fazenda da Bolívia, Luis Alberto Arce Catacora, que revelou que a dívida do país com o BID chega a US$ 1,6 bilhão. O montante da dívida dos países pobres chegaria a US$ 3,5 bilhões envolvendo Bolívia, Guiana, Haiti, Honduras e Nicarágua.