Título: Por uma nova agenda para a América Latina
Autor: Aécio Neves
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Economia & Negócios, p. B9

Os quinhentos e poucos anos de história da América Latina nos obrigam hoje a ir mais além da mera constatação de nossos problemas e desafios. Constatá-los é essencial, diagnosticá-los é um dever, mas o continente latino-americano, neste começo do século 21, espera de nós bem mais do que uma fotografia de nossas carências, de nossas desigualdades ou de nossos potenciais.

Com toda a certeza, os gráficos, as estatísticas ou os estudos revelam e iluminam, mas os seus conteúdos, uma vez postos e revelados, nos exigem passos mais decisivos rumo àquilo que qualifico e denomino de uma nova agenda para o desenvolvimento.

Bem a propósito, ao sediar a 47ª Reunião Anual dos Governadores do BID, Minas Gerais reproduz um pouco a nossa grande pátria latino-americana, essa pátria que é a soma de tantas pátrias, aqui onde compartilhamos origem e destino, dificuldades e esperanças, vida e trabalho.

Este, aliás, é um momento singularmente oportuno para que, com a afluência daqueles que têm nas mãos a responsabilidade para com o bem comum de nossos países, possamos abraçar a tarefa de construir essa nova agenda. Temos a consciência de que só com a retomada do crescimento a América Latina conseguirá superar as graves dificuldades que afligem tão duramente grande parte de sua população.

Temos a consciência de que a ênfase dos governos latino-americanos deve recair na educação de qualidade, com foco no desenvolvimento do capital humano e na criação de ambiente propício aos investidores. E, por fim, sabemos também que desenvolvimento e democracia são inseparáveis, cada qual reforçando o outro, já que a solidez de um necessita e depende da fortaleza do outro.

Em outras palavras, sem desenvolvimento, a democracia torna-se frágil e vulnerável, não responde às necessidades e às legítimas aspirações da população. Mas, sem democracia, o crescimento econômico dificilmente se sustenta. E bem sabemos que o crescimento econômico com redistribuição de riqueza precisa vigorar junto com a institucionalização de um regime aberto, representativo e democrático.

Isto porque existem muitos riscos. Os riscos, por exemplo, das soluções voluntaristas, aquelas que partem da ingênua idéia de que querer é poder. Além de nada resolverem, elas criam ilusões, desencantos e frustrações dos cidadãos com a democracia e a política e levam quase sempre ao populismo, esse mal que tanto tem infelicitado o continente.

Mudar para crescer, crescer para garantir o bem-estar da população e assegurar a consolidação da democracia, nisto, acho eu, pode ser resumido o tríplice desafio com o qual se defronta a América Latina. E a ponte para o desenvolvimento requer engenho e arte, coragem e sabedoria dos que têm sobre seus ombros a missão de governar.

Nesse aspecto, não basta diminuir o tamanho do Estado. É preciso repensar-lhe o papel e a posição frente ao setor privado e a dinâmica do desenvolvimento, dar a esse novo Estado novas funções, novas obrigações.

A primeira delas é que ele precisa ser eficiente. É imprescindível a melhoria da gestão governamental. E a experiência recente de Minas com o chamado "Choque de Gestão" bem mostra ser possível a harmonia entre equilíbrio orçamentário e a eficiência na administração do dinheiro público.

De outra parte, o compromisso com o equilíbrio fiscal não deve ser visto como sinal de uma nova ideologia. É apenas bom senso, pois gastar mais do que se tem ou gastar mal é irresponsabilidade. A austeridade fiscal, igualmente, não pode ser obtida às expensas das prioridades sociais, pois grande parte da frustração hoje na América Latina advém das falhas na conciliação entre reivindicações da população com as exigências orçamentárias.

Finalmente, neste pequeno elenco de contribuições e reflexões, chamaria ainda a atenção para o restabelecimento da importância do planejamento nas políticas governamentais e para um ponto que sublinho como fundamental, entre todos: o investimento nas pessoas, o foco na educação como senha para o portal do progresso, do bem-estar e da consolidação da democracia.