Título: Ahmadinejad recua sobre Holocausto
Autor: Lourival Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/04/2006, Internacional, p. A15

O presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, recuou ontem de sua versão de que o Holocausto não aconteceu. Numa longa preleção antes de uma entrevista coletiva de duas horas à imprensa internacional, Ahmadinejad, sem ser perguntado sobre o assunto, disse que "supõe" que a matança ocorreu, mas os palestinos não deveriam ter de pagar por ela. Ele também se mostrou determinado a seguir enriquecendo urânio, apesar da reação da comunidade internacional, criticou duramente a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e ameaçou abandonar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP).

Analistas em Teerã acreditam que declarações polêmicas do presidente, como a proposta de "varrer o Estado sionista do mapa", feita em outubro, e a dúvida que lançou, em dezembro, sobre se o Holocausto de fato aconteceu, aumentaram a resistência da comunidade internacional contra o programa nuclear iraniano.

"Na 2ª Guerra, morreram no mínimo 60 milhões de pessoas e muitos mais ficaram feridos e sem casa", lembrou Ahmadinejad. "Suponhamos que algo tenha acontecido", sugeriu, referindo-se ao Holocausto. "Por que, sob esse pretexto, o povo do Oriente Médio tem que pagar por 60 anos? Montou-se um Estado no Oriente Médio que até hoje, a cada dia, mata gente inocente e pobre", disse, referindo-se a Israel e aos palestinos.

Falando dos aliados, o presidente continuou: "Os que diziam serem os salvadores da humanidade, os que contiveram a matança na 2ª Guerra Mundial, levantaram-se em vingança contra os assassinatos e durante 60 anos mataram milhares de pessoas inocentes. Por quê? Que papel teve o povo palestino na 2.ª Guerra Mundial?"

"Sentimos por todos os mortos", disse Ahmadinejad. "Mas por que se recita a canção do luto só para alguns deles?" Engenheiro de formação e ultra-religioso, o presidente de 49 anos não será lembrado por sua qualidade retórica. Às vezes começa e não termina uma frase.

"Suponho que tenha sido verdade", reformulou o presidente, referindo-se de novo ao Holocausto. "Quem tem que pagar por isso? Somos contra fazer sofrer qualquer ser humano. De um lado, querem dar alívio aos judeus. Dois ou três países lançaram um movimento antijudaico na 2ª Guerra. Se vocês são partidários dos judeus, por que houve esse movimento antijudaico?", perguntou, dirigindo-se aos países ocidentais. Mais adiante, ele nomearia a Alemanha e a Áustria.

"Por que vocês converteram toda a Europa num lugar inseguro para os judeus e eles tiveram de se refugiar na Palestina, num território que não é deles?", indagou o presidente. "Uma vez eu disse, e repito: 'Abram as portas dessa grande prisão. Deixem que essa gente decida livremente e verão que alguns voltarão para sua pátria. Acreditamos que os judeus, como todos os outros humanos, têm direito de viver uma vida segura e tranqüila. Deixem que voltem para sua pátria.'" Os jornalistas perguntaram a Ahmadinejad se aceitaria enriquecer urânio na Rússia, como parte de um acordo para desistir do enriquecimento no Irã. "Os russos têm enriquecimento e nós também", respondeu. "Podemos cooperar. Essa proposta de enriquecer urânio na Rússia foi há seis meses. A situação mudou."

"As potências vivem testando bombas nucleares e dizem que nós estamos desenvolvendo armas atômicas", criticou. "Não acreditam no TNP nem em suas salvaguardas." De acordo com Ahmadinejad, a AIEA só tem servido para "traduzir" os interesses dessas potências. "Em 30 anos de nossa participação na agência, o que ela fez por nós? Tem nos tratado de maneira muito dura. Queremos que inspecionem nossas instalações, mas não vamos aceitar dois pesos e duas medidas." Ele advertiu: "Nossa política é trabalhar no contexto do TNP e da AIEA. Se virmos que eles estão violando nossos direitos, ou se não quiserem aceitá-los, vamos reconsiderar isso."

Uma jornalista da TV americana CBS quis saber se há algo que a comunidade internacional possa fazer para o Irã abrir mão do direito de enriquecer urânio. "Há algo que a comunidade internacional possa fazer para o seu país abrir mão de sua soberania?", devolveu Ahmadinejad. Ele reiterou que eventuais sanções não o farão recuar. E que o programa nuclear do Irã se destina apenas a gerar energia: "Armas químicas, biológicas, nucleares e não-nucleares de destruição em massa são contra os ensinamentos do Profeta."

Diplomatas americanos e europeus citados pelo New York Times disseram que o Irã comunicou à AIEA que não dará detalhes de suas pesquisas sobre uma tecnologia de enriquecimento de urânio mais avançada do que aquela que já usa. A existência dessas pesquisas foi revelada por Ahmadinejad há menos de duas semanas.