Título: Nacionalismo unifica o País mais pobre do Continente
Autor: Nicola Pamplona
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Economia & Negócios, p. B6

A nacionalização das reservas é consenso até nas regiões que lutam para ganhar maior autonomia

Dona da segunda maior reserva de gás da América do Sul, de cerca de 1,4 trilhão de metros cúbicos, a Bolívia é o país mais pobre do continente, com mais de 60% da população abaixo da linha de pobreza. Tal disparidade causou inédita união do fragmentado povo boliviano em torno da nacionalização das reservas de petróleo e gás. A retomada do poder sobre as jazidas é consenso mesmo em regiões que lutam por mais autonomia em relação ao governo central, historicamente mais próximas de um pensamento liberal.

"Há um sentimento comum de que a Bolívia não fez um bom negócio quando repassou as reservas para multinacionais", diz o analista político Gonzalo Chávez, da Universidade Católica Boliviana. Essa visão deu força a movimentos nacionalistas e culminou com a chamada guerra do gás, em 2003, que provocou a queda do presidente Gonzalo Sanches de Lozada - o mesmo que, em meados da década de 90, atraiu as petroleiras estrangeiras para o setor.

NACIONALISMO

A ascensão ao poder do Movimento Al Socialismo (MAS), partido do presidente Evo Morales, é apontada como um dos reflexos deste processo. "Se há uma coisa que mobiliza um país como a Bolívia é a bandeira do nacionalismo", afirma Chávez. O país passa por um momento turbulento, às vésperas da convocação de uma Assembléia Constituinte e com os departamentos (Estados) do Oriente, produtores de gás, lutando por maior poder de decisão.

A principal bandeira do governo Morales é o uso do gás para reduzir as desigualdades sociais do País. Para isso, quer ter maior controle sobre as reservas, para definir usos e preços para o combustível. "O pouco que tínhamos foi dado de presente para os outros", reclama Jorge Teles, assessor do Ministérios dos Hidrocarbonetos da Bolívia. "Antes, havia algum dinheiro para ser usado em benefício dos bolivianos", completa.

O gás natural é o principal produto de exportação do país, de economia basicamente mineral e agrícola. A acidentada geografia ajuda a amplificar as disparidades: no Oriente, mais plano, além do gás natural, começa a despontar uma indústria agropecuária de porte, com vastos campos de soja e pastagens. Já o Ocidente, encravado em meio à Cordilheira dos Andes, vive de uma decadente indústria extrativa e da agricultura de subsistência.

O movimento por maiores benefícios com as reservas de gás, portanto, é considerado razoável pela maioria dos interlocutores, incluindo a Petrobrás, uma das maiores prejudicadas no processo. Os envolvidos, porém, esperam que o discurso radical dê lugar à busca por um consenso.