Título: Mantega estréia novo figurino
Autor: Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Economia & Negócios, p. B4

Propostas defendidas na época em que estava no Planejamento ou no BNDES serão tratadas de outra forma

"A cadeira influencia as pessoas. Sentei-me na cadeira do Palocci e já estou sentindo os eflúvios dele." Foi com essa tirada que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, abriu a reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) em que seria tomada a primeira decisão polêmica de sua gestão: a definição da nova Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).

Havia um certo suspense sobre essa decisão, considerada o primeiro teste sobre o funcionamento do Ministério da Fazenda sob nova direção.

Mantega, antes de assumir o posto, defendia que a TJLP deveria cair de 9% para 7%. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, queria um corte menor, para 8,5% ou 8,25%. Era esperado um embate entre os dois. Mas Mantega, sob os eflúvios de seu antecessor Antonio Palocci, já chegou com uma proposta mais moderada: 8%. No fim, deu empate: 8,15%.

O episódio ilustra o estilo pessoal de Mantega. Ele gosta de desanuviar o clima de reuniões tensas com brincadeiras, segundo contou um assessor próximo. Mostra também que ele conhece bem os limites de sua atuação como ministro da Fazenda.

Propostas defendidas na época em que era ministro do Planejamento ou presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deverão, agora, ser tratadas de outra forma.

Quarta-feira, um dia após tomar posse como ministro da Fazenda, ele voltou ao BNDES e se despediu dos funcionários. Um dos presentes comentou que uma nova capitalização (injeção de verbas) no banco ficaria mais fácil, agora que Mantega mandava no Tesouro Nacional. "Agora, tenho de vestir outro figurino", avisou o ministro.

E o figurino, acredita o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, não será muito diferente do que vestia o antecessor. Será a mesma política econômica, com os ajustes que começaram a ser implementados a partir do final do ano passado. "Palocci já estava desgastado dentro e fora do governo."

Decepcionado com as baixas taxas de crescimento econômico, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já havia decidido mudanças como, por exemplo, não economizar (fazer superávit primário) além do necessário. É essa política ajustada que Mantega vai implementar.

"Mantega é uma pessoa muito ligada ao presidente, que não tem projeto político próprio no sentido de disputar uma eleição", descreveu Nogueira Batista. "O projeto dele é o projeto do presidente; foi escolhido por ser uma pessoa de sua estrita confiança." Essa avaliação é confirmada por assessores próximos de Lula, que atribuíram a escolha de Mantega ao excelente relacionamento pessoal dos dois.

Segundo um assessor do ministro, Lula costumava pedir a Mantega para ficar mais um pouco após o final de reuniões que tinham com outros integrantes do governo no Planalto. Batiam papo quase semanalmente.

"Acho que Mantega tem total clareza de sua missão", concorda o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que será o principal parceiro na condução da política fiscal (a forma como o governo arrecada verbas e as gasta). Ele avalia que a diferença entre Mantega e Palocci será principalmente no discurso. "Mantega tem uma formação econômica mais aprofundada, maneja as discussões sobre economia com mais detalhes e mais profundidade. No mais, vamos fazer um jogo aberto, deixar claro o que dá e o que não dá para fazer."

Esse estilo pão-pão, queijo-queijo é bem do gosto de Mantega, segundo um auxiliar. Ele disse que o ministro não é de enrolar. Quando tem de decidir, ouve todos os envolvidos e decide, sem delongas.

Mantega também é descrito como alguém que não tem medo de debater. Ele sobreviveu bem, por exemplo, a uma declaração desastrada que fez em setembro de 2001, quando era assessor econômico do então pré-candidato Lula. No afã de afastar temores do mercado a respeito de Lula, afirmou: "Os radicais do PT são uma minoria inexpressiva, eles não apitam nada em matéria econômica." Foi o que bastou para pôr o partido em pé de guerra, ao ponto de Lula ter de interferir e desautorizá-lo. "Toda vez que um economista que não é político entra na política, corre o risco de falar bobagem. E o Guido falou uma coisa que não deveria ter falado", afirmou Lula.

Mantega, de fato, é um tipo franco. No dia 1º de janeiro de 2003, na posse de Lula como presidente, vários ministros anunciaram que tomariam posse de seus ministérios no dia seguinte. A posse de Mantega no Planejamento, porém, seria quase uma semana depois. Indagado sobre a razão do atraso, não titubeou: "Não era nem para eu ser ministro, fui nomeado de última hora."