Título: 'Santo já!', pediam. Mas vai demorar
Autor: Paula Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Vida&, p. A31

Há um ano, morria João Paulo II, cuja beatificação é muito aguardada

"Santo Subito!" (santo já, em italiano). Os católicos que sustentavam faixas pedindo a aclamação imediata de João Paulo II como santo na Praça de São Pedro, em Roma, durante seus funerais ainda não foram atendidos. E terão de esperar um bom tempo até poderem venerar o papa polonês - morto há exatamente um ano - no altar de uma igreja. Embora o processo de beatificação tenha começado menos de dois meses após a morte de Karol Wojtyla e já existam indícios de um milagre conseguido graças a ele, serão necessários anos até que entre para o panteão de santos do catolicismo.

"O caminho ainda é longo", disse na semana passada o postulador da causa (espécie de advogado do candidato a santo), monsenhor Slawomir Oder, demolindo as esperanças de uma beatificação relâmpago. João Paulo II já foi sagrado "servo de Deus" por seu sucessor, Bento XVI. É o primeiro passo rumo ao altar. E centenas de milagres são analisados para levar adiante a causa. A Igreja é exigente. É preciso comprovar um milagre para se fazer um beato, dois para um santo.

Eleito em 1978, João Paulo II foi o primeiro papa não italiano em 500 anos. Ao longo do terceiro mais longo pontificado da história - 26 anos -, escreveu 14 encíclicas, nomeou nada menos que 231 cardeais e dois terços dos 4.500 bispos em atividade, participou de 1.160 audiências com peregrinos e fez 104 viagens aos cinco continentes. Foi avançado na área social e conservador na moral. Hoje, várias celebrações lembrarão o primeiro ano de sua morte. Uma vigília será feita em Roma, presidida por Bento XVI. Milhares de católicos são esperados no Vaticano.

PROTOCOLO

Conterrâneo do papa morto, monsenhor Oder recebeu a incumbência de organizar a primeira fase do processo de sua beatificação: a investigação da vida e das virtudes de Karol Wojtyla. No início, o processo se deu rapidamente. No dia em que se completaram 24 anos do atentado contra João Paulo II, 13 de maio de 2005, o cardeal Camillo Ruini, vigário-geral de Roma, pediu a Bento XVI a abertura antecipada do processo de beatificação, dispensando o período protocolar de cinco anos de espera depois da morte de um candidato.

O próprio João Paulo II já havia quebrado o protocolo - algo que só um papa pode fazer - ao dispensar o termo no caso de Madre Tereza de Calcutá (morreu em 1997 e já era beata em 2003).

Os poloneses queriam que "seu" papa fosse batizado na visita de Bento XVI ao país, em maio, mas o tempo era curto. Ao monsenhor Oder ainda resta ouvir 130 pessoas que conviveram com João Paulo II e examinar milhares de documentos para concluir a parte histórica. Então, vem o mais difícil, a comprovação de um milagre.

O caso de uma freira francesa que teria sido curada do mal de Parkinson - do qual também sofria João Paulo II - pela intercessão do papa polonês deve ser o milagre "técnico", segundo Oder, que lhe garantirá o status de beato. A cura, detectada em outubro, tem as características exigidas para ser considerada milagrosa: é perfeita, inexplicável e duradoura.

O postulador ainda recebe centenas de relatos de graças. Criou uma página na internet (em português, www.vicariatusurbis.org/Beatificazione/Rescrittopo.asp) e lança hoje um boletim mensal, o Totus Tuus (Todo teu, em latim), lema do pontificado de João Paulo II em homenagem à Virgem, com notícias do processo. Antes mesmo de ser lançado, já recebeu 30 mil pedidos de assinatura - a 20 por ano. Será publicado em italiano, polonês, espanhol e inglês. No futuro, também em francês, português, russo e chinês.

DE BEATOS E SANTOS

Nos primeiros séculos da Igreja, os beatos e santos eram proclamados "vox populi", ou seja, por aclamação popular. Ou quando a eles se rendia culto "immemorabili" (desde tempos imemoráveis). Mártires eram declarados santos imediatamente. Dos 264 papas eleitos, 78 foram canonizados e outros 10 declarados beatos - dois deles elevados a essa condição por João Paulo II: Pio IX e João XXIII.

O papa polonês superou o número de beatificações de seus 37 antecessores desde 1588, quando foi criada a Congregação para as Causas dos Santos. Proclamou 1.338 beatos e 482 santos. Mas terá de esperar sua vez. João XXIII, o "papa bom", que liderou a Igreja até 1963, levou 35 anos para se tornar beato. Dois anos após sua morte, quiseram santificá-lo por aclamação no Concílio Vaticano II, que ele convocara. Mas o primeiro passo só foi dado com a ajuda de João Paulo II.