Título: Humala tenta conter os Humalas
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Internacional, p. A22

Declarações de parentes podem abalar favoritismo de candidato nas eleições peruanas do próximo domingo

Se comparado ao restante de sua família, o líder das pesquisas para as eleições do dia 9, Ollanta Humala, do partido União pelo Peru, pode ser descrito como um moderado. No esforço para evitar que declarações polêmicas de seus parentes lhe tirem votos, principalmente num provável segundo turno, ele tem feito pedidos para que eles se contenham.

Um dos adversários diretos de Humala na corrida presidencial é seu irmão Ulises, que concorre pelo partido Avança País. Outro de seus irmãos, o major do Exército Antauro - preso após liderar revoltas em 2000 e 2005 -, é candidato a deputado pelo partido de Ulises.

"Há um certo entusiasmo da esquerda latino-americana com a candidatura de Humala", diz o catedrático em Ciências Sociais da Universidade do Pacífico José Vivanco. "Mas as origens do candidato indicam que, além do discurso populista e da visão estatista, há poucos pontos em comum entre Ollanta Humala e a ideologia defendida pelos líderes esquerdistas que têm emergido no continente. Basta dizer que Humala, no começo dos anos 90, comandou um batalhão anti-subversivo, encarregado de combater guerrilhas esquerdistas."

Ollanta, Antauro e Ulises têm outros quatro irmãos - Isaias, Pachacutec, Ima Súmac e Cusicollur. Os sete são filhos de Elena Tasso e Isaac Humala Nuñez - um advogado de Lima conhecido por ser o criador da doutrina denominada etnocacerismo. Essa doutrina, no entanto, tem princípios vagos. O que se sabe dela com certeza é que se trata de um movimento ultranacionalista e prega a restauração do orgulho inca, cujos herdeiros deveriam substituir a atual elite peruana, formada por brancos e asiáticos. Os etnocaceristas também defendem a nacionalização de todas as empresas locais e o julgamento e possível pena de morte para os "traidores da pátria" - aí incluídos todos os presidentes, ministros e congressistas após 1993. A doutrina, que remete ao nome de Andrés Avelino Cáceres, presidente e herói da Guerra do Pacífico (de 1879 a 1884, na qual Peru e Bolívia enfrentaram o Chile e levaram a pior), elege os chilenos como "rivais tradicionais" dos peruanos e denuncia a ampliação da influência do vizinho na economia peruana.

Como tenente-coronel, Ollanta participou com Antauro da rebelião militar de 2000, afastou-se do etnocacerismo e moderou seu discurso para tornar viável sua candidatura. Por causa disso, os irmãos romperam com ele - só fizeram as pazes no início de março.

Mas Antauro e Ulises estão longe de serem os únicos empecilhos para a candidatura de Ollanta Humala. A língua ferina do patriarca Isaac Humala é uma ameaça constante para o líder das pesquisas eleitorais. O presidente Alejandro Toledo qualificou o etnocacerismo de "doutrina fascista". De Isaac, veio a resposta: "Toledo é burrinho! Não adianta perder tempo explicando isso para ele."

Nos últimos meses, "papai Humala", como é conhecido, fez referências elogiosas ao 3.º Reich, defendeu a concessão de anistia aos líderes das guerrilhas Sendero Luminoso, apontado como responsável por mais de 30 mil mortes desde 1980, e Túpac Amaru - respectivamente, Abimael Guzmán e Víctor Polay - e justificou as oito mortes na rebelião militar liderada por Antauro em 2005, em Andahuaylas, sul do Peru. "Quando dois grupos armados se enfrentam tem de haver mortos e feridos, pois os fuzis não disparam flores, eles disparam balas", declarou Isaac Humala.

Numa significativa mostra de que quem tem a família Humala como aliada não precisa de inimigos, a mãe de Ollanta também ajuda a pôr lenha na fogueira. Há duas semanas, ela se declarou favorável ao fuzilamento de todos os homossexuais do Peru. Também disse que Ollanta deixou a universidade e entrou para o Exército para realizar um sonho do pai. "Ele queria que os filhos seguissem a carreira militar para que pudessem chegar ao poder por meio de um golpe", disse Elena Tasso. A mãe de Humala disse ainda que um governo de seu filho teria a marca do "nacionalismo do general Juan Velasco Alvarado", que liderou o regime militar peruano entre 1968 e 1975, expropriou empresas privadas nacionais e nacionalizou companhias estrangeiras.

"Ainda há dúvidas sobre os efeitos que as declarações dos parentes de Ollanta Humala sobre o eleitorado peruano, principalmente num segundo turno", declarou ao Estado o diretor do Instituto CPI, Manuel Saavedra. "Temas como terrorismo e revoltas militares são muito sensíveis aos peruanos, mesmo para os que têm sido seduzidos pela retórica nacionalista e de oposição radical ao status atual do candidato Humala."

Shopping Estadão