Título: 'Serei um franciscano descalço que ganha uma Ferrari de presente'
Autor: Angélica Santa Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Nacional, p. A10

Lembo diz que terá liberdade para remanejar recursos do orçamento e defende José Jorge para vice de Alckmin

Na noite de sexta-feira, Claudio Lembo e sua família entraram pela primeira vez na área reservada da ala residencial do Palácio dos Bandeirantes - uma construção de 700 metros quadrados, dois salões, três saletas, cinco dormitórios e vários corredores.

Pouco depois de se despedir de Geraldo Alckmin e das últimas pessoas que foram acompanhar a cerimônia de transmissão de cargo, o novo governador foi à residência oficial e encontrou uma pequena festa familiar para comemorar o aniversário de uma de suas três netas, Cristiana, de 13 anos. Ao redor de uma mesa com um bolo de chocolate e três bandejas de brigadeiro, estavam a nova primeira-dama, Renéa Castilho Lembo, o filho do casal, Antônio Salvador, e as netas, Carolina, de 22 anos, e Isabella, de 7.

Enquanto os mais jovens se divertiam ao ver a imensidão e os móveis aristocráticos - "bem grande aqui, né?", brincava a caçula, pulando na mesa de centro da sala principal -, Lembo e Renéa olhavam tudo com ar de resignação. "Vou estranhar dormir fora da casa na Bela Vista, onde moro há décadas. Por mim, ficava lá", dizia ela. "É só um ponto de apoio. Vou ter que dormir aqui, mas não é lugar para onde vou trazer minhas coisas", avisava ele.

No gabinete de sua nova casa, enquanto as netas desbravavam os cômodos, ele falou ao Estado sobre as críticas ao PFL, que chega ao poder no governo e na Prefeitura sem ter ampla base de votos em São Paulo, as alianças de seu partido com o PSDB e o que , afinal de contas, pretende fazer em nove meses como governador.

GOVERNAR EM 9 MESES

"Se Geraldo Alckmin foi um franciscano no governo,vou ser um franciscano descalço. Mas um franciscano descalço que ganhou do pai uma Ferrari precisa ter muito cuidado. Eu ganhei um Estado redondinho, com equilíbrio fiscal, verbas em caixa. Mas vou governar, viu? Andaram falando coisas irreais, sobre eu estar imobilizado para governar nestes meses. Engessado coisa nenhuma!"

"Somando o orçamento das empresas diretas com as estatais, o orçamento previsto para este ano é de R$ 87 bilhões. E posso fazer transferências muito grandes nesse total. O impedimento legal para fazer mudanças está apenas em pequenas vinculações de verbas de deputados, mas é coisa absolutamente normal no orçamento. Não existe nada que me bloqueie. O que pode criar um pequeno problema é a lei eleitoral, a partir das convenções. Ainda assim, são poucas coisas. Vou fazer as transferências necessárias. Não é que mudam os planos de continuidade, mas aparecem prioridades nas circunstâncias da própria rotina administrativa. Aí, vamos fazer."

HERANÇA DE ALCKMIN

"O grande acerto do governo Alckmin foi o equilíbrio fiscal. O erro, francamente, acho que não houve. Na segurança pública, temos que continuar aparelhando as polícias civil e militar, que são excepcionais, junto com a polícia científica. Hoje a PM tem quadros qualificadíssimos. Os oficiais todos hoje vêm do exame da Fuvest, meninos e meninas de qualidade intelectual e postura. A Polícia Civil também vai avançando com sua academia . Então nossa polícia está se reciclando. O que está ruim não é ela. Talvez sejam esses maus exemplos que vêm do planalto central, entram na sociedade - e aí a má vida vai crescendo. Mas é importante ver que em São Paulo tem processo crime, condenação e mandado de prisão. E o mandado de prisão é cumprido. As nossas penitenciárias hoje têm 152 mil presos. É uma tragédia social, mas nós agimos. Temos problemas? Temos, neste grande conglomerado que é São Paulo, com 40 milhões de pessoas. Isso faz com que tenha criminalidade, sim. Mas temos enfrentado com coragem e eficiência."

"Aí citam as 41 unidades da Febem que não foram entregues. Por que nós estamos com problemas? O projeto das unidades de 40 menores está em curso. Mas temos encontrado, no interior e mesmo na Grande São Paulo, uma contrariedade de setores da sociedade e de um partido político que tem evitado a construção dessas unidades em seus municípios. Há embargos das obras por parte das prefeituras. Temos esse problema em Osasco, Suzano, São Carlos. Você vai ver quem administra esses municípios e percebe que há um bloqueio por parte de uma visão filosófica de um partido político. Como o esforço está sendo muito grande, estamos conseguindo. Eu creio que até o final do ano nós teremos, se não as 40, umas 30."

AS CRÍTICAS AO PFL

"A quem critica o partido - e os eleitores - eu diria que nós participamos da campanha do governador Geraldo Alckmin e de José Serra para prefeito. Entramos nessa luta política com pessoas dos quadros do PFL. E chegamos juntos. Os votos deles também se devem à nossa presença." Agora, medir esses votos é muito difícil. O PFL foi parceiro do PSDB. Estivemos sempre presentes. E só para lembrar: apoiamos firmemente José Serra na campanha para a Presidência da República. Ficamos o tempo inteiro com ele, inclusive quando muitos o abandonaram."

PFL NO PODER

"Em política não há salto. É ingenuidade pensar que, de repente, se vence uma eleição e se consolida um partido ou um projeto. E, nas vezes em que isso aconteceu, foi catástrofe. É o caso do PT. Deu aquele salto - e foi essa tragédia nacional. Então o PFL é muito cuidadoso. Estamos dispostos a ir avançando passo a passo."

"Sabemos que estamos neste momento muito positivo aqui em São Paulo - temos o Legislativo, o Executivo, a Prefeitura de São Paulo, parte da prefeitura de Campinas e por aí vai. Mas isso não quer dizer nada. É uma circunstância histórica. Tenho certeza de que o prefeito Gilberto Kassab, eu e o Rodrigo Garcia (presidente da Assembléia Legislativa) vamos ter equilíbrio."

"Eu não sou homem de jogo, mas faço uma aposta: daqui a três anos o Kassab vai ser um grande prefeito de São Paulo. É um homem inteligente, um engenheiro civil, economista, tem boa qualidade de conhecimento e vai ter que usar isso. E é dedicado à vida pública. Agora, óbvio que ele preservou os melhores quadros do secretariado. Está certo. Não tem sentido essa loucura de um partido chegar ao governo e exonerar todos para começar tudo de novo. E o dinheiro de contribuinte? É uma loucura isso!"

PRESSÃO POR CARGOS

"Nós temos que ter capacidade moral para resistir - e também não acredito que os meus companheiros façam essas pressões. Há preconceito sobre as formas de agir do PFL. Vamos mostrar que no Brasil, depois de 30 anos de democracia, as coisas vão ser diferentes. Não vamos fazer proselitismo para o partido aumentar. Não interessa o aluvião político, interessa ter bons quadros."

"Quem achava que eu daria os cargos do governo para o PFL viu que isso não aconteceu. Dos novos secretários, apenas dois são do partido. O resto é sociedade civil e PSDB. Procurei o que havia de melhor no mercado de trabalho da área pública."

ALIANÇA COM O PSDB

"O senador Jorge Bornhausen (presidente nacional do PFL) é muito aplicado. Fez uma análise dos 27 Estados e entregou ao Alckmin. A partir dessa análise, eles estão examinando cada situação local, cada caso."

"Não existe a possibilidade de o PMDB ser alternativa ao PFL nesta aliança. Estamos fechados com o PSDB na campanha federal e na estadual de São Paulo. Mas estamos dialogando com outros partidos, inclusive o PMDB, para uma aliança."

O VICE DE ALCKMIN

"A tese presente nas lideranças do PFL é que o vice de Geraldo Alckmin deva ser do Nordeste. A corrente do senador Antonio Carlos Magalhães (BA) lembra o José Agripino (RN), líder do PFL no Senado. Outra pensa no senador José Jorge, de Pernambuco."

"Isso tem que evoluir - mas vou votar no José Jorge. Ele é de origem popular, foi professor, secretário estadual da Educação e Habitação, ministro de Minas e Energia no governo Fernando Henrique Cardoso. É um homem testado."

SE ALCKMIN NÃO DECOLAR

"Não existe essa possibilidade. Alckmin vai decolar. E José Serra será governador."