Título: 'Não poderíamos deixar o Estado nas mãos do PT'
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Nacional, p. A4

Serra diz que seria 'mais confortável' cumprir mandato, mas teme que partido de Lula vença em São Paulo

José Serra deixou o cargo de prefeito para disputar o governo do Estado de São Paulo, na sexta-feira, apoiado em pesquisas que apontam até para uma vitória no primeiro turno. Mas Serra ainda não tem sequer uma sala alugada para fazer reuniões nem definiu o núcleo principal de assessores de uma campanha que, se bem-sucedida, poderá lhe entregar o comando do maior Estado brasileiro e o direito de voltar a ter esperanças de concorrer à Presidência - agora em 2010.

Onze dias depois da derrota para o ex-governador Geraldo Alckmin na luta interna pela chapa presidencial, a aliança estadual de Serra já tem traços definidos. O ex-prefeito apresenta-se como aliado incondicional do antigo rival e chega a se irritar com murmúrios que enxergam, ainda, a possibilidade de uma volta à campanha presidencial, caso a campanha do ex-governador não saia do chão das pesquisas eleitorais. "A Presidência é passado," diz Serra. "Sou candidato a governador e quero ajudar Alckmin a disputar a Presidência."

Convidado para formar uma chapa com a vaga de vice-governador, o PFL fechou com o nome empresário Guilherme Afif Domingos , presidente da Associação Comercial de São Paulo. A indicação não é definitiva, porém. Está sujeita às negociações com o PMDB de Orestes Quércia, convidado a integrar o mesmo palanque. A chapa de Serra terá, contabilizadas apenas as bancadas do PSDB e do PFL, uma fatia equivalente a 35% do horário político na TV, peça-chave de uma campanha que todos prevêem magra no terreno financeiro.

Interessado em manter segredo até o último minuto, Serra não autorizou a sondagem de assessores de campanha, que só serão definidos nos próximos dias. Na sexta-feira, quando anunciou a decisão de entrar na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, o ex-prefeito só tinha um nome assegurado, o do chefe de campanha, José Henrique Lobo.

Procurador aposentado, tucano histórico do Vale do Paraíba, aliado antigo de Geraldo Alckmin, Lobo assumiu em 2004 a chefia da campanha de Serra para prefeito. Fiel à linha de que a única estrela de uma campanha deve ser o candidato, evitando guerras de opinião e de vaidades que costumam marcar a maioria dos comitês eleitorais, Lobo assegurou o emprego seguinte, de secretário particular do prefeito.

Na sexta-feira, horas depois de anunciar a decisão e momentos antes de abandonar o Edifício Matarazzo definitivamente, Serra recebeu o Estado nas dependências de seu gabinete para dar a seguinte entrevista exclusiva:

Por que o senhor quase chorou ao anunciar que deixava a Prefeitura?

Foi uma decisão difícil. Gostei muito de ser prefeito. Do ponto de vista emocional, é um abalo.

Que emoção é essa?

Foi a emoção de olhar nos olhos das pessoas que têm me acompanhado. Há gente que veio de fora, como o secretário de Finanças, o secretário-adjunto de Planejamento. São pessoas que se mudaram para São Paulo só para trabalhar comigo. E agora vão ficar em seus postos, enquanto vou para outra campanha. Também mudei a minha relação com a cidade. Achava que conhecia São Paulo, mas aprendi muito. Como prefeito você sente as coisas acontecerem. Se você arruma uma rua, a população reage na hora. Se você entra numa escola para dar aula - eu fazia isso como prefeito e pretendo continuar fazendo, se for eleito governador -, percebe o pulso das pessoas. Minha ligação com a cidade, que já era profunda, tornou-se total.

Mas, se essa ligação era assim tão forte, como foi possível abandonar a Prefeitura?

Porque tenho certeza de que a cidade vai continuar no rumo. Boa parte do nosso planejamento já está feito, os investimentos fundamentais já foram realizados e os padrões de gestão estão implantados. Isso vale para os hospitais, para o horário integral nas escolas, para o corredor Tiradentes. O Gilberto Kassab, que é engenheiro, acompanhou de perto o processo neste período e tenho certeza de que vai seguir nosso cronograma até o fim.

Ele diz que o senhor seguirá sendo prefeito da cidade.

Isso é força de expressão. O prefeito agora é ele.

Ao anunciar que deixava a Prefeitura, o senhor disse: "Às vezes não escolhemos a luta, ela nos escolhe." É até bonito. Mas não fica um pouco heróico, exagerado?

Esse foi o desafio que muitas pessoas me apresentaram, dentro e fora do partido. Ouvi políticos e também cidadãos anônimos. Ao longo da minha vida pública, sempre que fui chamado para a luta eu me apresentei. A opção mais confortável agora era ficar na Prefeitura, onde estava bem avaliado. Poderia cumprir o mandato até 2008 e então decidir o que fazer. Os apelos foram importantes, mas a decisão foi minha.

O senhor é um político que gosta de luta?

Sim. Não considero isso uma virtude em si. Muitas pessoas enfrentam desafios desnecessários ou que estão acima de suas forças. Mas existem momentos em que você combina a razão, que é a consciência do que faz, com emoção, intuição, impulso. Essa decisão tem tudo isso.

O senhor poderia falar da dor de não disputar a Presidência, mesmo sendo o tucano mais bem colocado nas pesquisas?

A Presidência é passado. Devo ter vários defeitos, mas um defeito que não tenho é ressentimento. Não sou aquele tipo de pessoa que fica debruçada em cima do que aconteceu para ver como poderia ter sido. Isso é perda de tempo. Estou olhando para a disputa do governo, como aliado de Geraldo Alckmin.

O senhor sempre teve um perfil de político de dimensão nacional. Por que tentar o governo de Estado, agora?

O argumento que me convenceu foi de que não poderíamos deixar o Estado nas mãos do PT. Considerando o que eles fizeram no País, imagine o que poderiam - e podem - fazer no Estado. Senti, como homem público, que tinha uma responsabilidade nesse ponto. Este é o meu Estado. Foi aqui que me formei. Sempre tive votos no interior como deputado e, como secretário do governador Franco Montoro, tivemos uma grande presença lá. Nas eleições presidenciais, alcancei uma boa votação contra o Lula. Quando era jovem, tive uma experiência inesquecível, com a UEE volante.

Como era isso?

Éramos estudantes que percorriam o Estado para fazer espetáculos culturais. Promovíamos comícios em pequenas cidades, misturando agitação política com apresentações folclóricas. Aquele grande escritor de livros infantis, Pedro Bandeira, escrevia peças de teatro. O Fauzi Arap dirigia.

O senhor era prefeito, pensou em ser presidente e agora disputa o governo do Estado. Embora tenha sido engenheiro, formou-se em economia e acabou tendo um desempenho considerado bom no ministério da Saúde. É possível fazer planos duráveis na política?

Você pode manter a coerência nas idéias, mas não consegue predefinir os caminhos. Fui eleito presidente da UNE em 1963, era um líder com idéias de esquerda até radicais, mas fui adversário do estado de sítio proposto pelo João Goulart e nunca defendi qualquer ato ilegal. A UNE vivia totalmente dentro da lei. Mas oito meses depois de minha eleição, ocorreu o golpe de Estado e passei a ser perseguido pelo País inteiro, como líder perigoso e subversivo. Em 1996, quando disputei e perdi a Prefeitura de São Paulo, também ocorreram surpresas semelhantes.

Quais?

Fui candidato a prefeito de São Paulo por duas razões. Atendi a um chamado do partido, inclusive do Mário Covas. Além disso, não estava confortável no Ministério do Planejamento, em função de visões diferentes na economia. Derrotado, voltei ao Senado e aí pude atender a um chamado do Fernando Henrique Cardoso para ocupar o Ministério da Saúde. Embora não soubesse aplicar uma injeção, meu trabalho criou condições para que pudesse me candidatar a presidente da República em 2002. É curioso, mas o Fernando Henrique tinha razão, quando, no início de seu governo, dizia que, se eu fosse pensar no meu futuro político, deveria pensar na área social e não na área econômica.

A entrevista continua na pág. A6

PLANOS: "A Presidência é passado.

Devo ter vários defeitos, mas um que não tenho é ressentimento"

RISCO: "Ao longo da minha vida

pública, sempre que fui chamado

para a luta eu me apresentei"

SAÍDA: "Gostei muito de ser prefeito. Do ponto de vista emocional, é um abalo deixar a Prefeitura"