Título: A fraqueza do Mercosul
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Notas e Informações, p. A3

Passou praticamente despercebido o 15º aniversário de criação do Mercosul. Foi no dia 26 de março de 1991 que os presidentes do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai assinaram, na capital paraguaia, o Tratado de Assunção, considerado a ata de fundação do bloco. A discrição com que os governos dos países que o compõem agiram em relação à data é atribuída à tensão existente entre Argentina e Uruguai por causa das obras de duas fábricas de papel e celulose na margem uruguaia do Rio Uruguai.

Esta é, de fato, uma das mais sérias crises políticas do Mercosul desde sua criação. Ela deixa evidente que, sem mecanismos mais eficazes de solução de controvérsias e sem regras claras para questões ambientais e outras, problemas que deveriam ser discutidos com base em critérios mais objetivos podem tornar-se uma crise diplomática grave a ponto de colocar em risco a continuidade do bloco.

Na área comercial, o Mercosul apresentou resultados animadores nos primeiros anos. O comércio dentro do bloco cresceu vertiginosamente. Mas também nesse particular o bloco revela um quadro preocupante. Dados apresentados em seminário técnico realizado em São Paulo para comemorar os 15 anos do bloco mostram que a situação, hoje, é bem diferente. Em 1998, os demais países do Mercosul absorveram 17,4% das exportações brasileiras; no ano passado, essa fatia era de apenas 9,9%. A mudança no comércio exterior argentino, de acordo com a consultoria Abeceb.com, é ainda mais notável. As exportações da Argentina para os demais países do bloco comercial eram de 16,5% do total em 1991, saltaram para 36,3% em 1997 e caíram para 19,2% em 2005.

O comércio entre os países do Mercosul representa cerca de 20% das exportações totais desses países. O ex-secretário da Indústria da Argentina Dante Sica observa que é uma média muito baixa, se comparada com a registrada na União Européia, de 65%, ou no Acordo de Livre Comércio da América do Norte, de 70%.

Além da perda do dinamismo do comércio entre os países do bloco e da crise entre dois de seus membros, há outros fatos que mostram a crescente fragilidade do Mercosul. A Argentina tem se queixado de "assimetrias" entre os países do bloco - expressão cunhada pelo governo de Buenos Aires para se referir à diferença de competitividade entre esses países - para exigir, e geralmente conseguir, concessões comerciais do governo brasileiro. A última delas tem o nome de Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC), por meio do qual os governos dos dois países ficam autorizados a impor medidas restritivas (cotas ou tarifas mais altas) contra produtos que, por causa do crescimento das importações, possam causar danos ao produtor doméstico.

Acordos como esse que criou o MAC não seriam tolerados num bloco que se anuncia como uma união aduaneira, na qual não devem existir tarifas aduaneiras no comércio entre seus membros, os quais ainda devem manter uma política comercial comum em relação a países de fora, com o estabelecimento de uma tarifa externa comum. Mas as regras da união aduaneira têm tantos furos que, aparentemente, nenhum dos governos se preocupa mais com isso.

Os dois maiores países do bloco tomam decisões sem ouvir seus parceiros. Não é de estranhar, por isso, que muitas vezes, nos últimos meses, membros do governo uruguaio tenham defendido um acordo bilateral com os Estados Unidos, o que não pode ser feito sem a concordância dos demais membros do Mercosul. Para o Uruguai, os EUA podem ser parceiro mais interessante do que seus vizinhos e sócios no bloco comercial

Nesse quadro, não há como não dar razão à presidente do Chile, Michelle Bachelet, que não pretende mudar a condição de seu país de membro associado para a de membro pleno do Mercosul. Em entrevista ao jornal argentino La Nación, Bachelet disse que associar-se plenamente ao Mercosul representaria um retrocesso, porque o Chile já está mais avançado nas reformas econômicas e na abertura econômica. Melhor, para ela, seria a formação de uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca) básica, "na qual as condições mínimas de todos os países sejam equivalentes e evoluir a partir daí". É uma sugestão sensata e realista.