Título: Outra greve no setor público
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Notas e Informações, p. A3

Mais uma greve no âmbito do funcionalismo vem causando prejuízos à economia. Além dos procuradores da Fazenda, que estão de braços cruzados desde 13 de fevereiro, os fiscais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) paralisaram suas atividades em 80% das principais portas de entrada do País. O protesto atinge oito Estados e envolve o Porto de Santos e os Aeroportos de Viracopos e Guarulhos.

Com isso, laboratórios farmacêuticos e empresas de alimentos que dependem da importação de insumos e de matéria-prima estão sendo obrigados a suspender parte da produção. No setor alimentício, os produtores de sucos prontos não estão conseguindo importar polpa de pêssego e os fabricantes de chocolates, farinhas lácteas e biscoitos estão com os estoques de vitaminas e minerais muito baixos.

O setor farmacêutico já registrou problemas na oferta de 450 tipos de medicamentos, entre eles remédios contra o mal de Alzheimer e o mal de Parkinson, reposição hormonal e transtornos de hiperatividade. Se a fiscalização nos portos e nos aeroportos não for normalizada na próxima semana, advertem os laboratórios, a população correrá o risco de ficar sem medicamentos de uso contínuo.

Para tentar evitar o pior, vários laboratórios e empresas de alimentos entraram com mandado de segurança pedindo a liberação de mercadorias. Em represália, os fiscais da Anvisa estão ameaçando realizar operações-padrão. É por isso que os últimos recursos judiciais agora estão sendo apresentados não por pessoas jurídicas, mas por entidades de classe.

Além de terem de suspender parte de sua produção, os laboratórios e as empresas de alimentos estão enfrentando outro grave problema. Por causa da greve da Anvisa, eles têm de pagar os custos de armazenagem, aumentando seus custos. Nos aeroportos, por exemplo, a Infraero cobra até 7% do valor da carga retida em seus depósitos.

Como sempre, as greves no setor público decorrem de pretensões salariais absurdas e aspirações corporativas do funcionalismo. Os procuradores da Fazenda reivindicam a equiparação de seus salários aos dos procuradores da República. Na Anvisa, os 500 fiscais recrutados com base em concurso público realizado em 2004 pleiteiam o mesmo salário recebido pelos 370 servidores públicos que foram cedidos ao órgão na época de sua criação, no final da década de 90. "Eles exercem a mesma função e ganham o dobro", afirma um dos líderes da greve Paulo Sérgio Carvalho.

Paralisias irresponsáveis como as provocadas por essas duas corporações poderiam ser evitadas se já existisse uma lei disciplinando as greves na administração pública. Mas, embora essa medida tenha sido prevista pela Constituição de 88, até hoje, 18 anos depois, nem o Executivo nem o Legislativo tomaram qualquer providência nesse sentido. A última promessa foi feita pelo atual governo em 2004, por ocasião da greve, entre outras corporações, dos procuradores da Fazenda e da Polícia Federal. O governo, contudo, não cumpriu o prometido.

Desde então, como não sofrem maiores sanções nem mesmo quando paralisam serviços essenciais, podendo inclusive "compensar" as horas não trabalhadas, os servidores recorrem aos mais variados pretextos para cruzar os braços, sem, em momento algum, levar em conta os efeitos de seu protesto sobre cidadãos e empresas privadas. Só em 2004, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos, foram deflagradas 158 greves nas administrações públicas municipais, estaduais e federal. Desse total, 55,6% decorreram de reivindicação de aumento salarial e 18,9% de exigência de plano de carreiras.

Com as dificuldades que vem causando para a economia, a greve da Anvisa é o desdobramento de um problema que só será superado quando os governantes tiverem coragem de promover amplas mudanças no regime do funcionalismo, que incluem cobrança de resultados, flexibilidade para ajustar quadro de pessoal, definição de prioridades em matéria salarial e regulamentação do direito de greve.