Título: É preciso trancar o cofre
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Notas e Informações, p. A3

O governo federal terá de fazer um esforço extra para cumprir a meta fiscal fixada para este ano, um superávit primário equivalente a 4,25% do PIB e destinado ao pagamento de juros. A tarefa será mais difícil do que se previa no ano passado, quando foi preparada a proposta orçamentária, segundo relatório enviado ao Congresso, no começo da semana, pelo Ministério da Fazenda. O Tesouro Nacional manda ao Congresso, a cada bimestre, uma reavaliação de receitas e despesas federais.

Segundo o novo relatório, os interesses eleitorais poderão levar os governos de Estados e municípios a gastar, neste ano, mais que o inicialmente previsto - como, aliás, está fazendo o governo da União. Nesse caso, sua contribuição para o superávit primário será menor que os R$ 23 bilhões da primeira estimativa. Para compensar esse desvio, o governo federal e suas empresas terão de elevar sua economia de R$ 66,4 bilhões para R$ 70,5 bilhões. Será a maneira mais segura de produzir um resultado primário de R$ 89,5 bilhões para todo o setor público.

Manter esse roteiro será um dos desafios políticos que o novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, terá de enfrentar, se quiser cumprir, como anunciou, o compromisso fiscal assumido para 2006.

Nos últimos três anos, o superávit primário sempre ultrapassou o alvo fixado oficialmente. Embora o assunto fosse raramente discutido em público, o ministro Antonio Palocci e seus principais auxiliares trabalharam sempre para alcançar, na prática, um resultado mais ambicioso que o fixado nas leis orçamentárias.

Sabiam que o superávit poderia ser maior e tentaram transformar essa convicção num programa de ajuste fiscal mais severo e mais eficiente. A tentativa não deu certo, porque foi rejeitada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Com as pressões cada vez mais fortes para aumento dos gastos, mesmo a meta relativamente modesta acertada para este ano, o excedente de 4,25% do PIB, já parece problemática.

As novas projeções indicam, entre outros desvios, um acréscimo de R$ 5,7 bilhões nas despesas da Previdência Social - efeito do aumento do salário mínimo. Esse aumento poderá ser compensado, em parte, pela economia resultante do recadastramento dos aposentados, mas essa estimativa não foi incluída nas novas contas, provavelmente por cautela. O déficit do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi reestimado de R$ 39,1 bilhões para R$ 44,7 bilhões.

As novas contas incluem, também, a reavaliação dos gastos com pessoa , encargos sociais, seguro-desemprego e repasses aos Estados para compensá-los pela desoneração de exportações determinada pela Lei Kandir.

O Congresso já havia inflado a proposta orçamentária, ao rever a receita projetada. Essa é uma prática recorrente e a resposta habitual do Executivo é congelar parte das despesas para manter no rumo a execução orçamentária. Neste ano, preservar o curso será mais complicado, segundo o novo relatório bimestral do Tesouro.

Diante dos novos números, a Fazenda terá de administrar um corte de gastos de até R$ 22,4 bilhões, cerca de R$ 7 bilhões a mais do que se estimava necessário, anteriormente, para compensar os desvios.

A Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional encerrou nessa quinta-feira a votação da proposta de lei orçamentária. O assunto deverá ser submetido ao plenário na primeira semana de abril. Se for aprovado sem maior demora, o Orçamento-Geral da União entrará em vigor com atraso pouco superior a três meses e já estará superado.

Ao mencionar o possível afrouxamento da política fiscal dos Estados, durante a campanha eleitoral, os autores do relatório foram provavelmente otimistas. As pressões para uso eleitoral das finanças federais também serão muito fortes. De fato, já começaram a manifestar-se e o novo ministro da Fazenda terá de mostrar muita firmeza para evitar que o Tesouro seja escancarado. Até agora, ele apenas se opôs à adoção de metas fiscais mais ambiciosas para este e para os próximos anos, afirmando que a atual política já é bastante austera. A partir de agora, terá de se empenhar numa batalha diária, no interior do governo e no contato com as bases políticas, para garantir que até a modesta meta de 4,25% de superávit primário seja alcançada.