Título: Como sair da armadilha iraniana
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2006, Internacional, p. A14

A estratégia do governo Bush com relação ao programa nuclear do Irã não chegará a lugar nenhum. A exigência dos EUA de que o Irã abandone para sempre até mesmo uma capacidade limitada de enriquecimento de urânio foi rejeitada categoricamente por todas as autoridades e grupos políticos iranianos, incluindo os principais reformistas. Considerando as opiniões sobre o assunto mantidas tanto pelas autoridades quanto pela maioria da população, seria suicídio político eles fazerem de outro modo.

Os EUA e o Ocidente dão ao Irã um tratamento radicalmente diferente ao que empregam a Índia, Paquistão e Israel. Graças a isso, as exigências ocidentais foram retratadas com sucesso no Irã como pressões por mais um "tratado de rendição" do tipo que as potências ocidentais impuseram ao país no passado. O nacionalismo iraniano moderno surgiu da revolta contra esses tratados.

É inútil sonhar com a transformação do Irã numa democracia ao estilo ocidental e num solícito simpatizante da estratégia dos EUA no Oriente Médio. Ao identificar os democratas do Irã com a submissão aos EUA, a atual abordagem americana só os desfavorece ainda mais aos olhos da maioria dos iranianos. A chave para mudar o Irã internamente e obter cooperação e responsabilidade em suas políticas externa e de segurança deve ser, portanto, uma abordagem lenta e gradual - que não resultará numa solução rápida da questão nuclear. Também parece praticamente impossível os EUA fazerem pressão econômica suficiente sobre o Irã para forçar o atendimento de suas exigências, diante da receita iraniana com os altos preços do petróleo e a profunda relutância da Rússia e da China.

Com isso, resta a opção militar. Mas nas últimas semanas, funcionários e analistas de inteligência dos EUA e da Grã-Bretanha advertiram repetidamente que tal operação provavelmente só adiaria o programa nuclear do Irã e poderia não surtir nenhum efeito substancial.

Ela sem dúvida motivaria a retaliação do Irã, o que agravaria dramaticamente a situação no Iraque e poderia desestabilizar a região inteira. Além disso, seria mais provável o ataque intensificar as tentativas do Irã de produzir armas nucleares.

Como Robert Lovett, estadista do governo Truman, costumava dizer diante desse tipo de impasse, "esqueçam o queijo - vamos sair da armadilha". A saída desta armadilha em particular é aceitar o enriquecimento de urânio limitado por parte do Irã, sob supervisão estrita, e concentrar-se na criação de barreiras realmente duras e eficazes contra o armamento. Precisamos congelar o enriquecimento e outras atividades nucleares do Irã de um modo verificável a fim de que o país fique pelo menos a 18 meses da capacidade de produzir armas.

Esse tempo de atraso seria suficiente para que os EUA e a comunidade internacional recebessem advertências adequadas sobre as iniciativas do Irã e respondessem de acordo.

A abordagem teria grandes vantagens. Levaria os EUA e a Europa de volta aos termos do Tratado de Não-Proliferação (TNP), assinado pelo Irã, evitando que os iranianos alegassem ser vítimas de um tratamento injusto e ilegal. Obrigaria o governo iraniano a cumprir a promessa publicamente reiterada de não buscar armas nucleares. E, em troca da atenção às preocupações russas e chinesas com o atual rumo dos EUA, permitiria que obrigássemos esses países e o restante da comunidade internacional a impor sanções extremamente duras ao Irã se este realmente violasse o acordo e buscasse armas.

Esta resposta internacional deveria ser combinada de antemão num tratado assinado pelos membros do Conselho de Segurança da ONU, do G-8 e de outras organizações apropriadas. Todas as atuais potências nucleares dizem opor-se firmemente à entrada do Irã no clube, e podemos acreditar nelas. A última coisa que elas querem é expandir seu exclusivo grupo e assim diminuir o próprio prestígio. Além disso, todas sabem que, se os passos do Paquistão no ingresso nesse clube forem seguidos pelo Irã, depois pela Arábia Saudita, Turquia e assim por diante, as chances de terroristas acabarem pondo as mãos nessas armas ou materiais aumentará enormemente.

Portanto, temos todo o embasamento para dizer à Rússia e à China: voltaremos aos termos do TNP se vocês assinarem um acordo internacional compulsório declarando em público, em detalhe e de antemão o que vocês e as outras nações signatárias farão se o Irã faltar com a palavra e buscar o armamento nuclear. Estas ameaças deveriam incluir o rompimento das relações diplomáticas, a remoção do Irã de todas as organizações internacionais, a suspensão do investimento estrangeiro, a imposição de um embargo comercial total, a interrupção - na medida do possível - dos vôos internacionais para o Irã e a inspeção do transporte para o país.

No que diz respeito à Rússia, os EUA deveriam oferecer um incentivo adicional e acrescentar uma ameaça bastante séria. O incentivo seria permitir que a Rússia aumentasse seu prestígio internacional (e a imagem doméstica do governo Putin, é claro) assumindo a liderança pública na questão. O acordo internacional resultante poderia ser assinado na Rússia sob um título como "Declaração de Moscou".

A ameaça seria transformar o compromisso assumido pela Rússia no principal fator determinante das relações futuras entre Washington e Moscou. Se o Irã produzisse armas nucleares e a Rússia não respondesse conforme o prometido, os EUA retaliariam em todo o espectro das relações, dos laços comerciais à expansão da Otan.

Sem dúvida, tudo isso soa terrivelmente radical para a maioria das autoridades de Washington. Mas não pensem que Robert Lovett e seus colegas de 60 anos atrás teriam a mesma impressão. Para eles, esse tipo de abordagem seria simplesmente diplomacia inteligente e eficaz - atividade na qual os governos americanos já foram muito bons, e que a administração Bush deveria retomar.