Título: Evo: `Quem não gostar deve sair¿
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/04/2006, Economia & Negócios, p. B4

A moderação do período da campanha eleitoral ficou definitivamente de lado. Durante a entrevista para o programa Roda Viva, da TV Cultura, gravado na sexta-feira em La Paz, o presidente boliviano, Evo Morales, mandou às empresas estrangeiras que exploram os recursos de gás e petróleo do país uma mensagem muito clara: ou se enquadram nos termos da ¿nova ordem¿ boliviana ou simplesmente deixam a Bolívia. O recado se endereçava, principalmente, à brasileira Petrobrás, que nos últimos dez anos investiu cerca de US$ 1,5 bilhão em operações de gás e petróleo no país.

¿Durante muito tempo, sucessivos governos fizeram o jogo das transnacionais que exploravam nosso gás e nosso petróleo, nos deixando as migalhas de seus lucros¿, declarou Evo Morales. ¿As empresas que não conseguirem compreender que essa realidade mudou agora podem ir. Somos soberanos para administrar os nossos próprios recursos.¿

Uma lei que determina a nacionalização dos hidrocarbonetos (gás e petróleo) deve ser submetida ao Congresso boliviano antes do fim de abril. Na campanha eleitoral para as eleições de dezembro ¿ vencidas por Evo Morales no primeiro turno, com 54% dos votos ¿, o então candidato prometia não adotar nenhuma medida contra a Petrobrás e outras companhias brasileiras antes de um exaustivo processo de negociação, do qual participaria o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

FORA-DA-LEI Durante a entrevista, Evo Morales voltou a se referir a Lula como ¿um irmão mais velho¿, mas o tom em relação às empresas brasileiras mudou. O primeiro presidente indígena eleito e empossado da Bolívia reiterou que a estatal Yacimientos Petrolíferos Federales de Bolivia (YPFB) não vai abrir mão de retomar o controle de duas refinarias de petróleo administradas pela Petrobrás em Santa Cruz de la Sierra e em Cochabamba. E foi ainda mais duro em relação à empresa EBX, do empresário brasileiro Eike Batista, a quem deu um ultimato: ou deixa a Bolívia por vontade própria nos próximos dias ou será posta para fora do país à força.

Evo Morales qualificou a EBX de ¿empresa fora-da-lei¿, cuja presença na região de Puerto Suárez viola vários pontos da Constituição boliviana: está instalada a menos de 50 quilômetros da faixa de fronteira, não participou da licitação para processar minerais na região e não cumpre as exigências ambientais necessárias para atuar no setor siderúrgico.

No programa gravado no Palácio Quemado, o presidente também explicitou sua admiração pelos presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e de Cuba, Fidel Castro. Evo Morales qualificou Cuba como ¿um exemplo de democracia consensual¿ e se mostrou um pouco irritado quando o repórter do Estado pediu explicações sobre esse conceito de democracia.

¿Parece que temos jornalistas aqui de todas as correntes, até os pró-império¿, disse, em tom irônico, em um dos intervalos da gravação. Evo Morales também qualificou ¿um setor da imprensa que fomenta o confronto¿, as elites econômicas bolivianas, a corrupção e os desastres naturais como as principais dificuldades que encontrou nestes primeiros três meses de governo.