Título: O PSDB sabe fazer oposição?
Autor: Gilberto de Mello Kujawski
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2006, Espaço Aberto, p. A2

O fato é que os tucanos, orgulhosos de sua bela plumagem, não sabem fazer oposição. Talvez sejam demasiado narcisistas e não possam enxergar além daquele enorme bico ornamental. O PT sabia, mas se desmandava, fazia oposição pela oposição, às cegas. O PT só não sabe fazer governo. O uso do cachimbo fez a boca torta. De tanto se viciar na oposição pela oposição, Lula depois de ganhar a Presidência continuou no palanque, falando como se estivesse ainda fora do governo. Porque não tinha e não tem um projeto consistente de ação, com começo, meio e fim. A oposição pela oposição levou o PT à sanha do poder pelo poder.

O PFL sabe fazer oposição, muito melhor que o PSDB. Por quê? Para fazer oposição dois requisitos são necessários: primeiro, saber o que se quer; segundo, saber dizer não. O PSDB não sabe direito o que quer. Pensa e age de forma meio sonâmbula, alojado em sua doutrina social-democrata, nem carne nem peixe. A social-democracia "aceita as instituições liberal-democráticas, mas considera-as insuficientes para garantir uma efetiva participação popular no poder e tolera o capitalismo" (Dicionário de Política, Bobbio, Matteucci e Pasquino). "Aceita" as instituições liberal-democráticas e "tolera" o capitalismo. Só nesses dois verbos, aceitar e tolerar, já transparece a atitude afetada e despectiva dos seus adeptos em relação à liberal-democracia e ao capitalismo. Não se trata de aceitar nem de tolerar o que parece insuficiente e merece crítica, e sim de assumir ambos, resolutamente, no sentido de aperfeiçoá-los e levá-los a um patamar superior. O que a social-democracia menos faz é assumir resolutamente as coisas, qualquer coisa, devido a essa tendência de medir a realidade pelo padrão de sua utopia, pretensamente moderada e eqüidistante dos extremos. Perante uma nova situação conflituosa o PSDB vacila, sobe no muro e deixa a tempestade passar para tomar uma decisão. Demonstra não saber o que quer. E, quando não se sabe o que se quer, é impossível saber dizer não.

O PFL, diversamente do PSDB, constituído principalmente por intelectuais, é formado por animais políticos, agressivos e carnívoros. Alguns disfarçam ou sublimam esses instintos, revestindo aparência civilizada e equilibrada, como é o caso de Marco Maciel e Cláudio Lembo. Fala-se no PFL de ACM e no PFL de Marco Maciel, mas as diferenças são mais de comportamento que de substância. O político baiano e o líder pernambucano têm em comum a mais sólida convicção de que o eixo da política está no implacável realismo, mais unilateral em ACM e mais multifacetado em Marco Maciel. Sabem que política não se faz com "idéias", e sim com as forças sociais dominantes em dado momento histórico. Precisamente isso é o que se chama realismo em política. O PFL sabe o que quer e, por isso, também sabe dizer não quando preciso.

Em recente entrevista à Folha de S.Paulo (lº/4), o pefelista Cláudio Lembo, que acaba de assumir o governo do Estado de São Paulo, no lugar de Alckmin, perguntado pelas repórteres sobre qual é o lugar que o PFL deve ocupar no eleitorado, respondeu, taxativamente, sem a menor reticência nem sombra alguma de ambigüidade. "O PFL tem que ter muito nitidamente um traço: um partido conservador. O que falta no Brasil é a coragem de se afirmar conservador. Ser conservador é ser preservador da liberdade, dos direitos sociais, da dignidade humana. Agora, essa conotação de direita, esquerda... E todo mundo quer ser de esquerda, e se mostram defensores de seus interesses particulares. Vou mostrar nesses nove meses que é possível ser conservador e ter uma visão social nítida."

Neste pequeno trecho, duas vezes ocorre a referência à "nitidez", algo estranho na conduta verbal do PSDB. Seu discurso é quase sempre de alto nível intelectual, mas algo nebuloso, sem contornos firmes e precisos.

Lembo ensina que ser conservador não é ser reacionário, inimigo do social, mas recusar-se a queimar etapas no processo de inclusão social plena. Tudo tem de ser feito dentro da ordem e do respeito à liberdade, com máxima transparência.

Geraldo Alckmin, que não é reticente nem dominado pelo idealismo abstrato, entre as lideranças do PSDB é a que mais se aproxima do perfil do PFL. Indagado de chofre se era candidato a presidente da República, no Roda Viva, respondeu de bate-pronto, sem subterfúgios: "Sou." Ponto final. O povo gosta dessa franqueza.

O governador do Estado de São Paulo e o prefeito da capital cederam o lugar a dois políticos do PFL, Cláudio Lembo e Gilberto Kassab. Foi a melhor coisa que poderia acontecer para dar sustentação política eficaz ao PSDB em São Paulo. Ambos de baixo perfil, sem nenhuma vontade de aparecer, mas ativíssimos nos bastidores. Lembo, político experiente, provado, inteligência cultivada e madura, de superior articulação tática e estratégica. Kassab, também conhecido como hábil articulador, como bom membro do PFL é dominado por um rígido sentido de hierarquia. O respeito à hierarquia, na composição do partido, sempre foi muito forte no PFL. Dificilmente Kassab se deixará levar por veleidades pessoais ou rompantes de arbítrio na condução da Prefeitura, sem prestar atenção às diretrizes de Lembo e do próprio Serra, mesmo afastado.

Mas não sejamos injustos. O PSDB, que não sabe fazer oposição, sabe fazer governo muito melhor que o PT, apesar de seu discurso vegetariano (nem carne nem peixe). Prova foi a gestão tucana com FHC na Presidência e, principalmente, nos Estados: em São Paulo, com a dupla Covas-Alckmin e em Minas Gerais, com Aécio Neves. O problema do PSDB é abrir caminho até Brasília. Para isso será muito útil a aliança com um partido mais profissional e mais duro na conquista de posições: este é o PFL.