Título: 'Não vamos ter sonhos. É o maior problema do Estado'
Autor: Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/04/2006, Metrópole, p. C6

A falta de valores morais, o distanciamento da família e a perda de identidade dos jovens são, na opinião do governador Cláudio Lembo (PFL), o que transforma a Febem no maior problema do Estado. "Não é um problema dramático em termos numéricos, mas pela condição humana e pela concentração e isso virou um mote, principalmente de oposição político-partidária", disse em entrevista ao Estado. Lembo afirmou que vai fazer um seminário no mês que vem, dividido em dois segmentos: um sobre problemas sociais que levam jovens à Febem e outro, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A inspiração para isso veio, disse ele, da reportagem publicada pelo Estado no dia 9, em que o repórter Fábio Mazzitelli, que trabalhou no Complexo do Tatuapé, relata a crise vivida pela instituição. "A partir dessa reportagem, que achei muito, muito importante, vamos fazer esse simpósio."

Como serão esses seminários?

Um deles vai analisar a problemática social, psicológica e pedagógica dos adolescentes da Febem. Acho que depois do ECA, que já faz tantos anos, alteraram-se as relações sociais no Brasil. Então, sociólogos, educadores, psiquiatras, psicólogos vão analisar o adolescente no mundo do consumismo e outros aspectos que eles acharem importantes. E outro grupo, que não passará de dez pessoas, vai analisar o ECA.

Por que debater o consumismo?

Acho que o consumismo nos leva à loucura. O Brasil caiu no cenário consumista sem nenhuma preparação de valores. Na Espanha, houve um debate muito rico, criaram-se valores para viver no consumismo. No Brasil, a gente caiu no consumismo de forma violenta e isso cria uma situação de desejo de bens desnecessários.

O ECA é um estatuto federal, como pode haver alteração?

Acho que se deveria fazer uma análise total do ECA, uma boa reflexão sobre ele e aí elaborar as alterações, eventualmente. Fazer o anteprojeto e encaminhar para as bancadas de todos os partidos. Eu tenho uma angústia quando vejo a Febem ser usada político-partidariamente, porque ela é uma angústia de todos nós. Me dá uma profunda preocupação quando vejo que estamos perdendo a luta de integrar as pessoas à sociedade. O êxodo rural fez com que a sociedade se desintegrasse.

As unidades menores podem resolver o problema?

Tenho convicção de que, com as unidades de 40 menores, vamos superar o pior. Sempre vai haver situações de revolta, de desagrado, porque é próprio do ser humano. Então acho que vamos conseguir isso, porque as unidades são pequenas e estarão muito próximas das comunidades onde estão as famílias dos menores. Mas não vamos ter esperança. É um problema social, que vem da desintegração das comunidades, em função do êxodo e também de um fenômeno muito contemporâneo, que é a desintegração das famílias. E faço um apelo imenso, porque sinto que as igrejas estão se retirando das unidades. Elas deviam estar presentes, de qualquer credo, qualquer crença.

Por quê?

Acho que as situações difíceis do Tatuapé fizeram que houvesse um refluxo, mas eu faço um apelo encarecido para que haja a presença das igrejas. Em outro ponto, há os agentes externos. Não vamos nunca mentir para a sociedade. Nós temos, sim, umas situações de crise. Primeiro, o crime organizado, segundo, as organizações não-governamentais, que, com a melhor das intenções, criam problemas para a disciplina interna.

O crime organizado chegou à Febem?

Acho que ainda não conseguiu chegar, graças a um trabalho muito firme da atual presidente, a Berenice, e muito firme das autoridades. Temos conseguido evitar, mas não podemos vacilar. Acho que estamos conseguindo recuperar adolescentes. Porém, não vamos ter sonhos, a sociedade moderna é muito difícil.

Ainda podemos dizer que a Febem é um dos maiores problemas do Estado?

Eu acho que é. Todos os outros estão equacionados.

Como o Estado pode evitar que o jovem vá para a Febem?

O Estado tem funções específicas - ele tem de dar escola, óbvio, saúde, cultura, e isso ele tem dado. Eu não vejo problema no Estado de São Paulo. Temos mil e tantas escolas, temos uma rede cultural espetacular de teatros, as fanfarras. O que nos falta neste momento é a essência da família e de valores morais. Quando terminar Tatuapé (a desativação), vamos trocar o nome.

Além das novas unidades, há outro grande projeto para a Febem?

Vamos chamar pedagogos para fazer um grande estudo. Acho que se fez muito fogo de artifício para pouca realidade. Um dia alguém lembra que tem de ter violino, um dia alguém lembra que deve ter jogo de xadrez, acho que se precisa analisar com mais cuidado. Quem são esses menores, quais são os desejos deles. A maioria é boa, tem qualidade.

Há um ano foi lançado um projeto pedagógico. Não vingou?

Vingou. O que teve problema foi a construção das unidades de 40 menores, que não permitiu a desativação do complexo.

A demissão em massa de funcionários, feita pelo então secretário de Justiça e presidente da Febem, Alexandre de Moraes, prejudicou o projeto?

Aí são visões do mundo, né? Eu sou defensor da burocracia estável. Acho que a burocracia estável é muito oportuna e ela merece respeito. Então diria que eu não teria agido daquela maneira.