Título: Muda para pior perfil de internos
Autor: Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/04/2006, Metrópole, p. C6

Nestes 30 anos, a Febem mudou. E muito. Nos anos 1970, grupos de 20, 30 internos iam, com autorização judicial, ver jogos de futebol - geralmente do Corinthians - no Pacaembu ou no Morumbi. Sem problema. Nos anos 80, acordo da Febem com a prefeitura de Ubatuba permitia que garotos de 12 a 16 anos, de bom rendimento escolar e comportamento, passassem uma semana de férias na praia. "O programa durou de 1986 a 1991 e foi uma experiência brilhante", conta a diretora do Centro de Estudos da Fundação, Vera Lúcia Colioni Mazar.

Houve época também que funcionários pediam a um interno para ir ao bar comprar lanche ou cigarro. "Ele ia e voltava numa boa", diz a especialista administrativa Edina Maria da Fonseca, de 49 anos, quase 31 de Febem. Quanto tempo faz isso? "Mais de 20 anos. Hoje nem ao banheiro eles vão sozinhos e só saem da unidade com escolta."

Por que histórias como essa tornaram-se raras? Porque o número de internos se multiplicou e seu perfil mudou.

Para João Benedito de Azevedo Marques, vários fatores contribuíram para a mudança. "A droga, sem dúvida, a marginalização social, com desemprego e evasão escolar, a dissolução da família."

"Acredito que o pior hoje é a droga", diz Ivete Aparecida Miranda da Silva, de 55 anos, 30 na Febem. "Antes, o tráfico era muito restrito."

Cresceu também a miséria. "Os meninos eram pobres, mas não miseráveis", diz Edina. E a cultura da violência. "Hoje, já nascem na violência. Dá até para desculpá-los porque não viram o lado bom. O homem aprende a ser bom. É como inglês: se não fizer curso, não fala."

A mentalidade carcerária, sobretudo após as transferências de internos a cadeiões, inexistia. E mudou a condição dos funcionários. "A Febem era vista como coisa boa, local onde os meninos eram bem tratados e os funcionários, bem-vistos. Hoje, se alguém fica sabendo, logo pergunta: como você tem coragem?", diz Edina.

A boa fama atraía personalidades. "Todos os artistas que conheci foi aqui dentro: Regina Duarte, Chitãozinho e Xororó, princesa Diana. Eles vinham conhecer, fazer show", diz Edina. O estigma incomoda? "Claro. É meu local de trabalho. E a gente tem medo de ser assaltado na rua por ex-interno, de pegarem o crachá. Já teve funcionário que apanhou, levou tiro."

O perfil das meninas infratoras também mudou muito, segundo a coordenadora técnica do atendimento feminino, Maria Aparecida de Souza Tonet. "Antes tinha aquela coisa romântica, da menina que cometia crime por causa do namorado e no mundo do crime atuava como coadjuvante. Hoje já tem meninas comandando adultos."

Algumas mudanças mais recentes, porém, melhoraram a situação das garotas nas unidades. "Quando assumi o feminino, há cinco anos, meninas ainda vestiam cuecas. Como elas sempre foram em número muito menor, ninguém lembrava delas nas licitações. Usavam roupas de menino, rolinhos de papel higiênico e de jornal em vez de absorvente." Hoje todas recebem kit com xampu, condicionador, toalha. E as garotas podem se olhar. "Quando botei o primeiro espelho, a Febem quase veio abaixo", lembra Maria Aparecida. "E eu perguntava: como essa mulherada toda vai ficar sem se olhar?" Fixo com cola que não desgruda, os espelhos estão lá até hoje.