Título: 'Sou fruto do trabalho dos que amam o que fazem'
Autor: Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/04/2006, Metrópole, p. C6

Seu "nome de guerra" na Febem era Rafaela Mares Franci. "Achava chique", diz. Já o verdadeiro ela pede para não revelar. Tem medo de que os dois filhos sejam hostilizados na escola. Prefere ser chamada de A., de 35 anos, que aos 3 foi deixada com a irmã, de 5, no Juizado de Menores. Ao todo, foram 14 anos de instituição, primeiro como carente, depois infratora. Cresceu separada da irmã, que morreu adolescente. Na época, a Sé era destino predileto de meninos que fugiam do Tatuapé. A. calcula que escapou ao menos 60 vezes. "Pensava: não tenho família, sou um lixo, minhas amigas morrendo. Pra mim tanto fazia matar ou morrer."

Seu destino começou a mudar com um emprego na própria Febem. Aceitou para afrontar técnicos que diziam que ela não era indicada. Demorou a se adaptar. E por um ano e meio ainda freqüentou a Sé. Até que engravidou e decidiu mudar de vez. Sofreu de solidão. Mas hoje comemora 14 anos de trabalho na Febem, vive em apartamento próprio do CDHU, toma conta da educação dos meninos, de 8 e 14 anos. "Digo a mim mesma: não grita, não xinga, pergunta como foi a aula. Não tenho prática de dar carinho, porque nunca tive." A. lembra de todos que lhe ajudaram. Como quem permitiu na Febem que tivesse um armário ou usasse brinco. Das ex-colegas de unidade, as notícias são tristes. Três encontrou na rua, a maioria morreu. "Sou fruto do trabalho dos que amam o que fazem. Na Febem também tem gente que deixa a roupa pra você vestir."