Título: ´Brasil não deve se iludir com China´
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2006, Economia & Negócios, p. B6

Embaixador critica ´visão romântica´ e adverte que ´parceria estratégica pode ser um conceito enganoso´

'O Brasil não deve ter ilusões em relação à China', disse ontem o embaixador do Brasil em Washington, Roberto Abdenur. Divergindo do discurso habitual do Itamaraty, ele, que foi embaixador na China no fim dos anos 80, afirmou que o Brasil tem uma 'visão romântica' sobre a China e que 'parceria estratégica pode ser um conceito enganoso'. 'Tínhamos uma visão muito romântica sobre a China, achamos que era um país de oportunidades enormes pra nós e promoveríamos uma integração entre os países em desenvolvimento, do hemisfério Sul', disse. 'Mas a China e a Índia não se consideram países em desenvolvimento, apresentam-se como potências mundiais.' Segundo Abdenur, o Brasil não deve alimentar expectativas exageradas em relação à China. 'A solidariedade da China está restrita ao G-20, que é uma aliança ad hoc (para o fim específico)', disse o embaixador, em apresentação durante o Fórum Econômico Mundial. 'Também sou muito cético em relação aos prováveis investimentos chineses no Brasil.' Para Abdenur, é muito improvável que a China siga os passos do Japão, que foi um enorme investidor no Brasil.

Abdenur afirmou que as empresas brasileiras deveriam 'terceirizar parte de sua produção para a China e migrar para produtos de maior valor agregado'. 'Isso pode prejudicar a criação de empregos no Brasil', admitiu. 'Muitas empresas brasileiras pensam em transferir produção para a América Central e Andina, mas elas deveriam considerar também a China.' Mais tarde, em entrevista, Abdenur moderou no tom das críticas e fez ressalvas em relação à transferência de produção para a China. 'Não defendo o fim da indústria brasileiras - o que defendo é a internacionalização das empresas - mas isso não implica cortar investimentos no Brasil, deve-se investir aqui e em outros países.' O secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil-China, Renato Amorim, lembrou que os 'zilhões em investimentos' prometidos pelo presidente chinês Hu Jintao em sua visita ao Brasil, em 2004, nunca se materializaram. 'Eram só retórica para embelezar as visitas.' Mas ressaltou a importância da entrada das empresas brasileiras na China. 'Em vez de protecionismo, precisamos de mais China.' Um economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Maurício Mesquita Moreira, afirmou que o Brasil precisa reduzir os juros e prosseguir com as reformas para que possa enfrentar a concorrência chinesa. Segundo ele, a China tinha 1% das exportações mundiais de manufaturados nos anos 80 e hoje tem 12%. Já a participação da América Latina está estacionada em 4% desde a década de 80.