Título: Fósseis dão novas pistas da evolução animal
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2006, Vida&, p. A18

Espécie de 375 milhões de anos representa "elo perdido" entre peixes e vertebrados que se deslocam sobre a terra

Da água para a terra. Umas das transições mais importantes da história evolutiva dos vertebrados acaba de ficar mais clara com a descoberta dos fósseis de uma nova espécie do período devoniano, de 375 milhões de anos atrás. O Tiktaalik roseae, segundo os pesquisadores, representa um "elo perdido" entre os peixes e os tetrápodes - ou seja, todos os vertebrados com membros que caminham ou voam hoje sobre a terra, incluindo os próprios seres humanos.

As ossadas do animal foram desenterradas em 2004 na Ilha Ellesmere, no extremo norte do Canadá. Hoje, uma terra árida e gelada, mas que já foi coberta por formações tropicais e subtropicais, onde o T. roseae teria se desenvolvido. Com a cabeça parecida com a de um crocodilo, ele era ainda um peixe, mas com várias características pré-adaptativas de um tetrápode.

As nadadeiras dianteiras, em especial, já tinham a estrutura óssea de um punho e protótipos de dedos, que ele poderia usar para se locomover na fronteira entre a água e a terra. "Provavelmente ele conseguia saltitar fora d'água, como uma foca, mas não de maneira muito graciosa", disse ao Estado o pesquisador Neil Shubin, da Universidade de Chicago, que assina os trabalhos publicados hoje na revista Nature.

A espécie também já tinha um pescoço, o que proporcionava maior articulação de movimentos, e costelas reforçadas, que ajudavam a suportar o peso do animal em terra firme. Uma combinação de pulmão e guelras garantia a respiração tanto dentro quanto fora d'água. "É um fóssil que preenche uma lacuna morfológica importante entre os peixes pulmonados e os tetrápodes", avalia o pesquisador Hussam Zaher, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP).

Ao todo, foram desenterrados três esqueletos de T. roseae em ótimo estado de conservação, além de fragmentos de outros sete espécimes. O menor tinha 1,20 metro de cumprimento e o maior, 2,75 metros. Na escala temporal, os fósseis se encaixam em uma janela de 20 milhões de anos entre os primeiros tetrápodes verdadeiros, Ichtyostega e Acanthostega, de 365 milhões de anos atrás, e seu parente peixe mais próximo, Panderichthys, de 385 milhões de anos atrás.

EVOLUÇÃO

Cientistas acreditam que todos os tetrápodes (mamíferos, anfíbios, répteis e aves) evoluíram de peixes com nadadeiras ósseas, que, associadas a uma série de outras adaptações, se transformaram em patas para permitir a conquista dos ambientes terrestres, entre 350 milhões e 400 milhões de anos atrás. Até então, a terra firme era ocupada apenas por plantas e invertebrados, como crustáceos, aracnídeos e insetos - um verdadeiro banquete aos olhos de qualquer vertebrado que conseguisse sair da água para degustá-lo.

"Uma das hipóteses, justamente, é de que a transição ocorreu como forma de explorar esse nicho alimentar", diz o paleontólogo Max Langer, do Departamento de Biologia da USP de Ribeirão Preto.

A história já é conhecida, mas faltavam os fósseis para comprová-la. É nesse ponto que entra o T. roseae. Segundo Jennifer Clak, uma das maiores especialistas no assunto, a espécie poderá se tornar um ícone evolutivo tão importante quanto o Archaeopteryx, a primeira ave a se diferenciar dentre os dinossauros terrestres.