Título: Diretor da PF critica privilégio dado a ex-ministro
Autor: Cida Fontes, Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2006, Nacional, p. A9

Lacerda também reage a decisão de antecipar interrogatório sem consultá-lo

Feito à revelia do diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda, o depoimento do ex-ministro Antonio Palocci provocou uma crise interna na PF. Lacerda ficou contrariado com o tratamento especial dado a Palocci: o depoimento secreto ao delegado Rodrigo Carneiro Gomes, encarregado do inquérito sobre a quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, o Nildo, foi tomado na residência oficial do Ministério da Fazenda e não nas dependências da PF.

Outro motivo do descontentamento de Lacerda foi o fato de o depoimento ter sido antecipado em um dia - estava previsto para ontem - sem que tivesse sido consultado. "Ele ficou chateado", disse uma fonte da PF. "Não havia razão para o ex-ministro ter privilégio." Para receber tratamento especial, Palocci alegou problemas cardíacos.

O ex-ministro estava usando um holter, aparelho para monitorar a pressão sanguínea e batimentos cardíacos. O uso desse aparelho não impede as atividades de rotina. Inclusive os médicos recomendam que sejam mantidas e desaconselham o repouso. Para justificar seu estado físico, Palocci entregou um atestado médico. Ontem, para amenizar os atritos na PF, o delegado Gomes alegou ter tentado avisar o diretor-geral sobre o pedido de antecipação e das condições do depoimento.

Lacerda, porém, informou que o delegado não violou nenhuma norma funcional ou ética por ter tomado o depoimento do ex-ministro na residência dele e em horário fora do combinado para fugir da imprensa - regalia negada aos demais envolvidos no caso. Ele reconheceu, entretanto, que houve falha de comunicação porque, embora o delegado tenha plena autonomia de ação, a PF não poderia confundir a mídia e a opinião pública com informações falsas.

Mesmo depois de o depoimento ter começado, às 17h de anteontem, a PF divulgava que o interrogatório só seria realizado no dia seguinte, a partir das 10h. Em entrevista, Gomes também negou que tenha cometido qualquer deslize e se desculpou pelo que chamou de contratempo. Ele também acusou os advogados de Palocci de terem agido de má-fé ao adotarem uma estratégia que parecia armação com a PF para dar tratamento privilegiado ao ex-ministro. "Eu fui compreensivo com eles e faltou a via de mão dupla. Eles não tiveram consideração, nem transparência", criticou o delegado.

REAÇÕES

No Congresso, o tratamento concedido a Palocci pela PF provocou reações. "Acho que o ministro teve um tratamento mais do que privilegiado", disse o senador José Jorge (PFL-PE).

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Nicolao Dino, também afirmou que houve tratamento privilegiado.

"Estamos dilacerando o conceito de prerrogativa de função ao ponto de até se criar um privilégio e ser indiciado em casa. Isso é absolutamente inaceitável sob o ponto de vista de um Estado republicano", disse o procurador. Apenas detentores de cargos e funções públicas têm a prerrogativa de combinar com a autoridade policial ou judicial local, horário e dia do depoimento.