Título: Garantido, só o gasto
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2006, Notas e Informações, p. A3

Não haverá gastança eleitoral, promete o novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, respondendo às preocupações de consultores, comentaristas econômicos e analistas do mercado financeiro. A preocupação é justificada. Os gastos federais dispararam nos últimos dois anos, continuaram a crescer velozmente no primeiro bimestre de 2006 e não há sinal de controle próximo. Mas o ministro continua a afirmar que é sagrada a meta fiscal fixada para o ano - um superávit primário, isto é, antes do pagamento de juros, equivalente a 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB).

Segundo Mantega, as despesas devem mesmo crescer mais acentuadamente nos primeiros meses deste ano, porque o governo deverá contê-las a partir de junho ou julho: em ano de eleição os governos não podem realizar novos projetos no segundo semestre, se não tiverem sido licitados antes desse período. A intenção, portanto, é inverter o costumeiro andamento dos gastos, concentrando-os no primeiro semestre. "Quando quiser, o governo poderá reduzir o gasto público", disse Mantega.

Por enquanto, o governo está realizando o programado. Segundo o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, foram liberados para investimentos, de janeiro a março, R$ 2 bilhões. No primeiro trimestre do ano passado as liberações foram menos que a metade desse valor, R$ 900 milhões.

A idéia de inverter as liberações em ano eleitoral tem sentido, mas isso não elimina a preocupação. O governo pode cumprir a primeira parte do roteiro, se não for muito incapaz. Em alguns anos, verbas para investimentos ficaram intactas, porque o Executivo não conseguiu concluir os projetos e realizar as licitações. A economia, nessas ocasiões, não foi virtude - deu-se por incompetência administrativa.

Se o governo for bem-sucedido na primeira etapa, selecionando projetos e liberando as verbas, nada garante que demonstre a mesma competência no resto do ano, impondo às finanças o controle necessário. Até porque o orçamento deste ano ainda não foi aprovado no Congresso e já se sabe que o governo não poderá cumpri-lo, se quiser alcançar a meta fiscal prevista para o ano.

Estimava-se, até há pouco tempo, que o Tesouro deveria congelar despesas no valor de R$ 15 bilhões, aproximadamente, para manter as contas sob controle. Uma nova estimativa surgiu na semana passada: a economia necessária será de cerca de R$ 22,4 bilhões. O cálculo resultou da revisão bimestral da execução orçamentária, uma atividade rotineira do Ministério da Fazenda.

Se as contas públicas dependessem apenas do governo federal e de suas empresas, o problema do controle financeiro poderia ser mais simples. Mas o resultado fiscal programado para o ano depende também dos governos estaduais e municipais e das empresas por eles controladas. Estados e municípios têm exibido superávits primários apreciáveis, nos últimos anos, principalmente porque não têm condições de se endividar. Apesar disso, há o risco de algum descontrole, em fase de eleições, e, nesse caso, caberá ao governo central garantir o cumprimento da meta fixada para todo o setor público. O ministro do Planejamento já informou que os governos estaduais e municipais afrouxaram a política orçamentária no primeiro trimestre.

O ministro Guido Mantega dirigiu o Ministério do Planejamento antes de ser presidente do BNDES. Na ocasião da transferência de cargo, declarou-se feliz com a mudança. Como ministro, era forçado a dizer não a quem pedia dinheiro. Como dirigente do banco, poderia financiar muitos investimentos importantes.

No Planejamento, porém, Mantega não estava sozinho nas negativas. O controle era exercido principalmente pelo ministro da Fazenda e pelo secretário do Tesouro. E os gastos nunca deixaram de crescer. Apenas aumentaram menos do que teriam aumentado, se a disciplina financeira fosse tão frouxa quanto desejavam outros ministros e muitos políticos da base governamental.

Na Fazenda, Mantega terá de ser o responsável principal pela defesa do cofre e isso o exporá a pressões que não havia sofrido até agora. A ele caberá, portanto, provar que será possível cortar os gastos públicos a qualquer momento, a começar pelas despesas de custeio. Se, evidentemente, de fato desejar fazer esse corte.