Título: O vôo do 'caronel' Pontes
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2006, Espaço Aberto, p. A2

Vai terminar o vôo do primeiro brasileiro lançado ao espaço, mas espero que continue a discussão sobre os custos e benefícios dessa aventura. O debate foi acirrado pelo físico Ennio Candotti, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, ao chamar a jornada de "carona paga".

Vi pela televisão os primeiros momentos do brasileiro no espaço. Então, pode-se dizer, à maneira dos cientistas, que a tese candottiana não foi refutada pelos fatos. O coronel Pontes mais parecia uma daquelas pessoas que às vezes viajam nas cabines de comando dos aviões de carreira, sem lá terem o que fazer além de papear, ali adentrando na condição de convidados e conhecidos da tripulação.

Assim, enquanto se percebia que o comandante russo apertava botões com uma ponteira e seguia um manual de vôo, o co-piloto americano também acompanhava um manual. No seu canto, Pontes posava para a câmera, sorrindo e fazendo sinais, como o de apontar nossa Bandeira no braço do seu uniforme.

Há também críticas aos oito experimentos que está a fazer, no sentido da contribuição deles para o avanço da ciência. Exceto o da germinação de sementes de feijão, não tenho condições de entendê-los, mas devem ser testes rápidos, dada a duração da carona e o papel de Pontes no vôo. Em comparação, seus colegas de subida ficarão seis meses na Estação Espacial Internacional (ISS), onde realizarão 65 experiências. Esse número e a duração da jornada garantem um potencial de resultados muitíssimo maior que os do brasileiro.

Quanto à germinação de feijão nas condições da ISS, o anunciado objetivo é estimular o interesse das crianças pela ciência, e grupos delas foram organizados para realizar experiências semelhantes aqui, na Terra, e comparar resultados. Já que é coisa de criança, voltando a esse tempo fiquei a imaginar que os feijões levados poderiam ser mágicos, como os do conto João e o Pé de Feijão, em que o personagem troca a única vaca leiteira da família por feijões que teriam essa característica. Filho único e repreendido pela mãe viúva, que joga os feijões pela janela, João acaba se saindo bem, pois eles crescem magicamente e o levam a um ogro, que ele derrota e do qual toma uma harpa dourada que toca sozinha e uma galinha que bota ovos de ouro, enriquecendo, exibindo a primeira e colhendo da segunda. Infantilmente estimulado pelo experimento, fiquei a ver Pontes como João e seus feijões, gerando recursos para custear a viagem.

Mesmo na minha realidade de economista, entendo ser preciso muita mágica para encontrar efetivos benefícios que justifiquem o custo dessa empreitada, estimado em US$ 10 milhões. Sintoma da falta de argumentos foi o brandido pelo presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Sérgio Gaudenzi. Afirmando ser preciso esperar pelos resultados, absurdamente comparou a viagem de Pontes à expedição de Colombo, então também criticada pelo seu custo. Ora, para refutar isso basta dizer que Colombo não pegou carona, mas, sim, liderou um empreendimento que pelos padrões da época tinha objetivo grandioso e com boa base científica, além de sustentado por avanços na tecnologia de navegação.

O vôo de Pontes pegou também outra carona, esta no prestígio de Santos Dumont, com a aventura se intitulando Missão Centenário, para relembrar o esforço do "pai da Aviação". Mas ele tampouco subiu de carona, e pilotava sozinho os aviões que construía.

Em retrospecto, as justificativas para a viagem se limitam a aspectos simbólicos e imaginários que pouco ou nada trarão de resultados concretos. É neste último plano que há razões para o Brasil avançar em seu programa espacial, ainda que de forma diversa dessa viagem. Em particular, voltado para dominar a tecnologia de lançamentos, a partir do Brasil, de satélites de que necessitamos e para os quais há também mercado externo. São bem-vindas parcerias como as do programa CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), que da China e com seus foguetes já lançou dois desses satélites, mas desde que também nos levem a fazer aqui os nossos próprios foguetes e satélites.

Somos pobres para isso? Não. A capacidade de um país ter seu próprio programa espacial não depende de sua renda per capita, mas está ligada a seu grande tamanho econômico. O que está por trás desse tamanho, como a grande escala de produção, a estrutura e a tecnologia da sua indústria, é que permite viabilizar um programa desse tipo. E, ainda, assegurar benefícios tangíveis, em particular os que virão para o desenvolvimento dessa mesma indústria, na medida em que for chamada a dar atendimento às complexas demandas de um programa espacial. A propósito, pelo seu tamanho econômico, efetivo e potencial, o Brasil é incluído no grupo conhecido como BRIC, que também inclui outros grandões, a Rússia, a Índia a China. Dessa turma, só o Brasil ainda não tem um programa espacial digno do nome.

No meio dessa história desponta Pontes, admirável pela sua disposição de tomar críticas pelo seu lado construtivo. E, também, pelo seu esforço e pela sua carreira, esta, sim, um exemplo para as crianças brasileiras, para que não se iludam com outros rumos que não o do empenho nos estudos e no trabalho.

Só tenho uma restrição quanto ao que ele confiantemente vem dizendo, entre um sorriso e outro, o que também é bom neste país hoje já meio macambúzio. Disse orgulhar-se de ser o primeiro astronauta brasileiro, mas não quer ser o último. Ora, vôos tripulados por brasileiros devem ser deixados para uma segunda etapa, com a primeira se concentrando em foguetes e satélites onde nossa bandeira estampada signifique não a presença de um patrício, mas que foram aqui construídos.