Título: Escolha pode frear ampliação
Autor: Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2006, Economia & Negócios, p. B7

Para entidades, há ameaça à criação de novos canais

A opção do Brasil pelo padrão japonês de TV digital, caso venha a ser confirmada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, põe em dúvida a possibilidade de a televisão brasileira passar a ter multiprogramação e interatividade. Entidades de defesa da democratização das comunicações temem que a escolha do padrão japonês ameace a oportunidade de ampliar o número de canais (multiprogramação) e de se criar serviços que permitam usar o televisor para funções próprias de computadores e da internet (interatividade).

As emissoras brasileiras de televisão, entre elas a Globo, Bandeirantes, SBT e Record, já haviam optado pelo padrão japonês, que facilita a manutenção do seu domínio do mercado de radiodifusão. O modelo japonês, ao contrário do europeu, prioriza a alta definição de imagens, dificultando novos canais, novas emissoras e maior variedade da programação. Essas questões, no entento, dependem de decisões que o governo ainda precisará tomar.

Essa discussão surge agora porque a tecnologia digital comprime o sinal televisivo, permitindo que no mesmo espaço onde hoje é transmitido um canal sejam transmitidos quatro canais, desde que em definição padrão de imagem, que se assemelha à qualidade do DVD. Mas, se a opção do governo brasileiro for pela alta definição e não pela definição padrão, todo o espectro continuará a ser ocupado pelas atuais redes de TV, que não teriam que dividir o bolo publicitário com novas empresas.

A multiprogramação é uma das bandeiras de entidades de defesa da democratização das comunicações, como a Intervozes. "O nosso temor é de que junto da tecnologia japonesa venha um modelo de negócios que priorize a alta definição, criando um fato consumado", afirma o diretor da Intervozes, Gustavo Gindre. A entidade propõe que não seja dado nenhum passo antes de se definir uma nova legislação para o setor.

A definição simultânea de um modelo de negócios também é defendida pelo deputado Walter Pinheiro (PT-BA), que integra um grupo que discute no Congresso a implantação da TV digital. Segundo ele, mais importante que escolher o padrão é definir como ela será utilizada no Brasil, para garantir maior democratização do acesso aos meios de comunicação.

"Os atuais operadores (emissoras) não querem multiplicar o número de canais, alegando que perderiam negócios com a redução da publicidade", disse Pinheiro em bate-papo organizado na semana passada pela Câmara dos Deputados.

A Intervozes reivindica, em documento entregue ao governo, a criação de um operador de rede, uma espécie de administrador do espectro de radiodifusão, coordenando a transmissão de vários canais, com programações diferentes, como é na TV paga. "O que a gente reivindica é que as emissoras não fiquem mais donas desse espaço", afirmou Gindre.

Outro ponto que deve provocar polêmica é a interatividade, que permite que a TV seja usada para mandar e-mails ou consultar o extrato do INSS, por exemplo. Esses novos serviços poderiam fazer parte da vida dos brasileiros, caso o modelo a ser definido pelo governo inclua a interatividade. As emissoras também têm resistência a essas novidades porque poderiam abrir o mercado para as empresas de telefonia.