Título: Disputa na TV digital não acabou
Autor: Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2006, Economia & Negócios, p. B7

Definido o padrão, debate será como harmonizar operação de radiodifusoras com a de teles

Os japoneses encontraram uma maneira de as emissoras de TV e as operadoras de telefonia conviverem harmoniosamente no ambiente da convergência. Pelo menos por enquanto. "O serviço One Seg é uma cooperação entre telecomunicações e radiodifusão", afirmou na semana passada Kunio Ishikawa, vice-presidente sênior da NTT DoCoMo, maior operadora celular do Japão.

O One Seg, lançado no começo deste mês no Japão, permite receber de graça o sinal digital de TV aberta no celular, transmitido pela própria emissora de televisão. A operadora celular oferece os serviços interativos, que são cobrados. Dessa forma, os dois modelos de negócio são preservados. O radiodifusor continua a transmitir seu conteúdo grátis e amplia a audiência, e a empresa de telecomunicações continua a cobrar pelo conteúdo que ela provê.

Uma comitiva brasileira, com os ministros Celso Amorim (Relações Exteriores), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) e Hélio Costa (Comunicações), visitou o Japão semana passada. Foi assinado um memorando que delineia os compromissos assumidos pelo Japão caso seu padrão de TV digital, chamado ISDB, seja adotado. O presidente Lula deve confirmar a escolha, pois os ministros consideraram um sucesso a negociação.

Os radiodifusores, que comemoraram o acordo, queriam o sistema japonês por três motivos principais. Em primeiro lugar, o Japão conseguiu oferecer um financiamento para a transição ao digital considerado vantajoso por essas empresas. Os japoneses seguiram a estratégia mais acertada ao convencer primeiro as emissoras de televisão, antes do governo. Em segundo, viram no ISDB uma maneira de garantir que receberiam um canal completo, de 6 MHz. Em países da Europa, os radiodifusores receberam somente metade, pois a tecnologia digital permite transmitir vários programas simultâneos, com qualidade padrão, em um só canal. Em terceiro, o sistema japonês foi preparado, desde o começo, para enviar o sinal para celulares dentro do canal de TV, sem interferência da operadora, o que ajuda a garantir o modelo atual de negócios.

SEM VOLTA

De qualquer maneira, o desafio das emissoras é grande. Durante a Futurecom, evento realizado em Florianópolis em outubro de 2005, José Francisco de Araújo Lima, consultor jurídico da Diretoria de Relações Institucionais das Organizações Globo, disse: "Não estamos no jogo da convergência, porque não temos canal de retorno." Ou seja, para ser realmente interativa, recebendo informações enviadas pelo usuário, a televisão depende da infra-estrutura de terceiros.

E essa relação não é simples. O modelo de negócios da TV aberta é vender audiência ao anunciante, o que não casa bem com o modelo de cobrar do cliente das operadoras de telefonia. Quando as teles falam que o negócio das redes de TV é produzir e vender conteúdo, só conseguem deixá-las mais irritadas e temerosas.

O ministro Hélio Costa tinha dito que as transmissões de TV digital começariam experimentalmente na Copa do Mundo e estreariam de forma comercial no dia 7 de setembro. Depois, admitiu que o cronograma pode atrasar. Na realidade, deve ser necessário um período de um ano a um ano e meio para o sistema começar para valer. As emissoras precisam trocar os equipamentos, os fabricantes precisam preparar as linhas de produção e, mais complicado, o governo precisa regulamentar a TV digital, juntamente com o Congresso.

A legislação atual não prevê sua entrada em operação. Nessas discussões, as emissoras terão que brigar de novo por fatores como a garantia do canal inteiro e a transmissão de seu sinal, de graça, dentro do canal, sem passar pela operadora.

O consumidor não precisa se preocupar com a TV digital hoje, se não quiser. Por um período de 10 a 15 anos o sinal analógico continuará a ser transmitido, ao mesmo tempo que o digital.