Título: Tempo, o maior inimigo da Varig
Autor: Nilson Brandão Junior
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2006, Economia & Negócios, p. B6

Empresa negocia em várias frentes para tentar se recuperar. Mas acordos precisam sair o mais rápido possível

A Varig aposta todas as fichas na proposta de compra de US$ 400 milhões (R$ 880 milhões) feita pela ex-subsidiária VarigLog, que será votada em assembléia de credores no dia 2. Mas, até lá, vai atacar em outras frentes. Segundo uma fonte, a empresa tentará equilibrar o caixa com troca de recebíveis do programa de milhagem Smiles acertada com o fundo Matlin Patterson. Amanhã, irá ao BNDES discutir alternativas de médio prazo e acompanhará reunião do conselho da BR Distribuidora, a quem pediu carência no projeto de "acordão" com credores. Encaminhará, ainda, à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) o registro de um fundo para receber novos aportes - esta, uma solução típica de mercado, que pode levar, contudo, pelo menos dois meses para decolar.

"Não há desespero, nem plano contingencial. Trabalhamos em várias hipóteses e segunda-feira vai ser um dia relevante", disse ao Estado o executivo Marcelo Gomes, da Alvarez&Marsal, firma americana contratada pelos credores para gerir a reestruturação da empresa. Amanhã, a Varig estará com um olho num encontro no BNDES e outro na reunião da BR Distribuidora, que deverá oficializar resposta ao pedido de prazo de 60 dias para quitar o fornecimento de combustível, hoje pago antecipadamente. Semana passada, a estatal havia indicado que não o fará.

A estatal exige garantias e diz que é temerário conceder prazo. "É um absurdo", rebate Gomes. O executivo explica que a BR se habilitou como credor classe 2 (com garantias) na recuperação judicial da empresa e que a dívida antiga (repactuada) está garantida por recebíveis de cartão. "A garantia que temos para pedir prazo são do mesmo tipo e, agora, ela não aceita", diz ele, lembrando que o acordão para suspensão temporária de pagamentos correntes, e retomada mais à frente, depende de todos os credores.

"O presidente da Infraero tem sido superaberto no sentido de negociar e indicar que se o TCU (Tribunal de Contas da União) não for um problema, a Infraero é que não vai ser", comentou. A estatal alega ter dificuldade em aceitar um perdão temporário de despesas correntes por conta de obrigações legais. A postergação de pagamentos vai de dois a sete meses,conforme o fornecedor. A Varig indica que as empresas de leasing estão colaborando. Na última quinta-feira foi a vez de os trabalhadores concordaram com o corte de 2,9 mil empregos e de 30% dos salários.

A proposta de compra da VarigLog - empresa da Volo Brasil, que tem o Matlin Patterson como acionista - e o acordão são as duas principais frentes de luta. Embora o executivo da Alvarez&Marsal não confirme, a informação é de que o chinês Lap Chan, acionista do Matlin, garantiu um suporte de caixa para a empresa até o início de maio. Ele pagaria antecipado à Varig, com uma taxa de desconto, o que ela tem a receber nos próximos meses em remuneração das parceiras comerciais usam as milhas do Smiles para premiar clientes.

A versão de duas fontes ligadas à empresa é de que, apesar de haver outros dois investidores interessados em entrar na Varig, a proposta da VarigLog teria sido aceita mediante um acordo de exclusividade no período, justamente por conta do aceno para o suporte de caixa.

"Estamos centrando as fichas na proposta da VarigLog e aguardando a decisão da BR. O caixa está extremamente limitado, mas não há risco de a companhia parar. A empresa trabalhou normalmente na Semana Santa", limita-se a dizer.

GOVERNO

Às vésperas do feriado religioso, a empresa enfrentou três revezes sucessivos no governo: a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) vetou o acordo operacional com a OceanAir; no dia seguinte a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) interveio no fundo Aerus; e, depois, o presidente da BR, Rodolfo Landim, rebateu críticas da empresa e descartou conceder prazo à Varig. Ainda assim, uma equipe de executivos, consultores e advogados, além dos trabalhadores, corre contra o tempo para viabilizar a atividade, no curto e médio prazos.

Uma fonte detalha o que a Varig quer do BNDES. Nas sondagens ao banco, são abordados três caminhos: eventual separação e venda isolada do Smiles, com financiamento do banco ao comprador; uma cisão do negócio atual numa companhia para o doméstico e outra para o internacional, com entrada do banco na voltada aos vôos internos, junto com investidores; e tentativa de convencimento para o banco entrar, com investidores, no fundo previsto no plano de recuperação - cuja montagem começará a ser estruturada ainda esta semana.

Em todos os formatos, o banco não teria relacionamento financeiro com a Varig atual, dizem eles. A idéia agora é desenvolver estas alternativas. Uma fonte do governo indica que os contatos preliminares seriam junto à área de mercado de capitais do banco e que a instituição não poderia mesmo financiar a empresa aérea sem solução para o passivo.

O BNDES diz que não houve pedido formal da companhia e já apontou que não fará operação de socorro. Mas sabe-se que representantes da empresa foram ao banco nas últimas semanas mostrar o andamento da tentativa de acordo com os credores e discutir as idéias.

CVM

A Varig prega que não quer injeção de dinheiro público na veia, ainda que o caixa da empresa esteja debilitado. O presidente da empresa, Marcelo Bottini, repetiu reiteradas vezes que se procura "solução de mercado". A estruturação de um Fundo de Investimento e Participação (FIP) - cuja tramitação de registro deve começar na CVM esta semana - é a alternativa aprovada pelos credores e que consta do plano de recuperação judicial. Este fundo abrigará inicialmente as ações da Fundação Ruben Berta (FRB) e depois abrirá cotas, via leilão, para credores e investidores.

Para isso, a equipe tenta acelerar a avaliação e integralização das ações da FRB dentro do fundo. Os entendimentos estão em curso, mas a burocracia para formar estes fundos leva tempo e, estima-se, estaria pronto, para a primeira oferta pública, apenas pelo fim de julho. Mas os problemas da Varig não podem esperar tanto.

O Banco Brascan já foi escolhido para gerir o fundo, mas entra no processo apenas depois que ele existir. O mecanismo é complexo. Simplificando, investidores e credores poderão comprar cotas que serão emitidas nesse fundo, em processo que precisa ser autorizado e regulado pela CVM. Na medida em que cheguem aportes, a fatia da FRB encolheria gradativamente até 5,26% do fundo representativo do controle da empresa.

A primeira oferta, estimada para agosto, será para os credores interessados em converter créditos em capital, seguida de ofertas para o mercado. A engenharia financeira montada lembra a usada nas privatizações. Dívidas da Varig que estão dentro do processo de recuperação poderão ser compradas com deságio e usadas para investimento no fundo a valor de face.

O efeito é duplo: à medida em que a dívida (negociada com deságio) encolhe, melhora o perfil da companhia e vira capital novo. A ironia, aqui, é que às vésperas de uma tentativa tipicamente de mercado para sua salvação, com a FRB suficientemente afastada do processo, a empresa enfrente grave dificuldade de caixa e forte apreensão no mercado.