Título: A ameaça boliviana
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/04/2006, Notas e Informações, p. A3

Durante a campanha eleitoral, o candidato Evo Morales prometeu implementar a nova Lei de Hidrocarbonetos, nacionalizando os recursos naturais da Bolívia. Mas fazia uma ressalva: nenhuma medida seria adotada contra a Petrobrás e outras companhias brasileiras sem que se esgotassem todas as possibilidades de negociação. Essa concessão refletia o respeito reverencial que o líder dos cocaleros demonstrava pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu "irmão mais velho", de quem recebia conselhos que dizia acatar.

Uma vez no Palácio Quemado, Evo Morales mudou de idéia. Seu governo tem pressionado de todas as formas a Petrobrás - que investiu cerca de US$ 1,5 bilhão na Bolívia e tinha planos imediatos para colocar pelo menos mais US$ 300 milhões no país - e, nos últimos dias, anunciou que expulsará a EBX, que está construindo um pólo de ferro-gusa na fronteira com o Brasil. E, para não deixar margem a dúvidas, o presidente Lula foi rebaixado na galeria de ídolos do estadista Evo Morales. À frente vem Fidel Castro, seu principal conselheiro em questões ligadas ao antiimperialismo e exemplo de democrata e administrador. A admiração vai tão longe que Morales afirmou, no programa Roda Viva, que Cuba - uma ditadura há 47 anos - é "um exemplo de democracia consensual" e se irritou com o jornalista que perguntou o que isso significa. No mesmo programa, Morales revelou ao mundo que a economia de Cuba cresceu mais que a da China - só não explicou por que, com tanta riqueza, os cubanos vivem com uma dieta de subsistência.

Depois de Fidel vem o coronel Hugo Chávez, outro militante do antiamericanismo, que, de quebra, tem fornecido à Bolívia conselhos sobre a indústria do petróleo e do gás - o que explicaria a hostilidade contra a Petrobrás. A terceira preferência de Morales é o populista Néstor Kirchner, da Argentina, e só depois vem o "irmão mais velho" Lula.

Não é preciso dizer que Evo Morales acredita que a união política da Bolívia, Cuba, Venezuela, Argentina e Brasil mudará os destinos do mundo.

Como se vê, não é verdade que cada país tem o governante que merece. Os habitantes do Departamento de Germán Busch estão descobrindo isso da maneira mais dura. Se, efetivamente, a EBX for expulsa ou decidir se retirar da Bolívia, aquela região, carente de empregos e investimentos, ficará sem um empreendimento que criaria 6 mil empregos, uma aciaria de US$ 180 milhões e uma siderúrgica de US$ 148 milhões e de exportações que renderiam US$ 400 milhões anuais em divisas.

Daí, há dias, prefeitos e organizações comunitárias terem feito um "paro cívico", fechando estradas e as ligações com o Brasil e mantendo em cárcere privado, por algumas horas, três ministros que Evo Morales mandou à região, na tentativa de desarmar a confusão. Dependendo das decisões que forem tomadas entre hoje e amanhã, em La Paz, não apenas as estradas serão novamente fechadas, como haverá uma greve geral na região mais desenvolvida do país, onde há décadas viceja um movimento separatista.

No caso da Petrobrás, o governo boliviano insiste em transformar a estatal brasileira em mera prestadora de serviço, passando a controlar as refinarias e as jazidas que a empresa comprou ou recebeu por concessão. E isso a diretoria da Petrobrás já anunciou que não aceita.

O governo brasileiro enviou a La Paz, para tratar do contencioso, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. A escolha não poderia ser mais imprópria. O secretário-geral do Itamaraty foi o ideólogo da diplomacia terceiro-mundista que levou o governo brasileiro a apoiar as aventuras, primeiro, de Hugo Chávez e, depois, de Evo Morales.

Os interesses do Brasil - principalmente a garantia de um suprimento constante, e crescente, de gás - precisam ser defendidos com doses de realismo, e não com declarações de solidariedade que, dadas as condições internas da Bolívia, não encontram reciprocidade.

O presidente Evo Morales está desrespeitando contratos que foram assinados com empresas brasileiras - e com isso ameaça os interesses nacionais. Precisa saber que, a continuar nesse curso, haverá um custo a pagar, e este será o rompimento de toda e qualquer ajuda, indo até o isolamento diplomático e comercial da Bolívia.